APROFUNDAMENTO DO ESTUDO SOBRE AS COMUNIDADES CIGANAS
Observatório das Comunidades Ciganas – OBCIG
ACM – revista, nº 5 – Especial Comunidades Ciganas
Por Carlos Jorge dos Santos (Coordenador do OBCIG) e Liliana José Alves Moreira (Investigadora do OBCIG)
O aprofundamento do Estudo Nacional sobre as Comunidades Ciganas apresenta uma estimativa do número de residentes ciganos e da sua distribuição geográfica, alicerçada em dados fornecidos pelos 308 municípios portugueses (taxa de resposta ao inquérito enviado de 100%), o que viabilizou a cobertura de todo o território nacional.
Existem 37089 mulheres e homens ciganos residentes em Portugal, o que significa 0,4% da população portuguesa. Em relação à localização da população portuguesa cigana verifica-se que a mesma se encontra distribuída de um modo espacialmente desigual: 101 municípios portugueses revelaram não ter conhecimento da existência de pessoas ciganas no seu território, estando assim a população cigana distribuída por 207 municípios (67,2%).
O artigo apresenta um conjunto de mapas onde se vê a distribuição da população cigana portuguesa, verificando-se uma fraca insularidade, bem como contrastes notórios entre o meio rural e o meio urbano. Destaca-se uma elevada expressão de ciganos residentes no litoral, mas por outro lado também se verifica um elevado peso da população cigana no interior e em zonas fronteiriças (quando comparada com o total da população residente). A população cigana portuguesa concentra-se sobretudo nas zonas metropolitanas de Lisboa (9051), Porto (3654), no Alentejo (5651) e no Algarve (2614); os distritos com maior população cigana são os de Lisboa (5950), Setúbal (3687), Porto (3304), Aveiro (2654), Faro (2614) e Beja (2418). O artigo analisa as condições de habitação: 32% são arrendamento social, sobretudo em Lisboa (23%), Porto (17%) e Faro (10%). O arrendamento informal avulta em Setúbal (19%), Porto e Beja (13%); a ocupação ilegal situa-se maioritariamente em Faro (17%), Beja (13%), Lisboa e Santarém (9%). Outras situações de habitações em tendas ou acampamentos não são quantificadas.
O aprofundamento do Estudo Nacional sobre as Comunidades Ciganas, investigação do ObCig, constituiu uma excelente oportunidade para se avançar em termos científicos, no conhecimento da dimensão, localização e distribuição geográfica da população portuguesa cigana residente em Portugal. No entanto, o ObCig reconhece que “este é um trabalho que está incompleto”. Embora se trate “de uma aproximação fiável à realidade portuguesa, (a investigação) não traduz a real expressão da dimensão das comunidades ciganas existentes em Portugal.” O conhecimento das comunidades ciganas é imprescindível para se conhecerem os “impactos ao nível da conceção e implementação de políticas inclusivas e ajustadas à situação concreta das pessoas e famílias ciganas, que se traduzam numa efetiva igualdade de oportunidades e na melhoria das condições de vida, sobretudo das que estão expostas a fenómenos de pobreza e exclusão social e, consequentemente, a uma maior vulnerabilidade; para potenciar intervenções mais contextualizadas/ territorializadas, nos campos da educação, habitação, emprego e formação, saúde, entre outros, atendendo às especificidades geográficas, culturais, sociais, económicas, entre outras; e, para incentivar o desenvolvimento de novas investigações, particularmente das ciências sociais e humanas”, que “construam propostas credíveis /exequíveis capazes de apontar soluções para a multiplicidade de problemas existentes.”
Breve comentário analítico ao “Estudo Nacional sobre as Comunidades Ciganas”,
por João Teixeira Lopes (JTL)
JTL considera que o estudo ajuda a colocar algumas questões que podem estimular a pesquisa sociológica. O estudo revela “um elevado grau de disseminação das populações ciganas por todo o território nacional, uma vez que estão presentes em cerca de ¼ das freguesias do país. Não admira pois, que o cigano seja o outro por excelência”. Sobretudo em populações mais isoladas das dinâmicas migratórias, “a diferença é o cigano”. Porém, “a dispersão territorial e a concentração nas áreas de maior urbanização, também pode favorecer, ao invés, estratégias de evitamento de confronto, de aculturação e de alguma miscigenação. “O grau de demarcação territorial, social, cultural e simbólica, permitirá aquilatar da homogeneidade das ‘comunidades’”. “A exposição à escolarização, o contacto com referências globalizadas e estilos de vida urbanos, hábitos de consumo de massas e indústrias culturais, favorecerão a prática e o reconhecimento de distinções”. “A destradicionalização revela a desadequação de ideia de comunidade como todo estável, coerente, com um forte primado de consciência coletiva”.
O estudo revela ainda “graus de concentração distintos das populações ciganas por concelho e população residente. Este dado é de maior importância para, juntamente com outros indicadores, se identificarem zonas de potencial maior conflito entre diferentes grupos e etnias”. Através da mediação preventiva, antes de o conflito eclodir, os mediadores deverão estar integrados nos territórios de maior vulnerabilidade, para aí fazerem “um trabalho estruturado e sistemático, entrosado no sistema de relações sociais locais. “
O estudo mostra igualmente “que os modos de habitação da população cigana são diversificados e estão longe de comprovar estereótipos de ilegalidade. A ocupação ilegal abarca apenas 17% e o arrendamento informal 8%. “As populações ciganas estão estabilizadas no território e já não partilham trajetórias nómadas”. JTL salienta o considerável número de ciganos que vive em bairros de habitação social, “onde seria importante montar uma rede de mediadores, provenientes quer das associações representativas das populações ciganas, quer das instituições com trabalho no terreno”. JTL conclui que “mesmo que se perca a ideia de ‘comunidade’, ganha-se na compreensão da diversidade e da porosidade”.
Especial Comunidades Ciganas
O artigo esclarece que a presente publicação visa promover o conhecimento das comunidades ciganas portuguesas através da apresentação e partilha de dados essenciais sobre a comunidade cigana, que foram recolhidos pelo ObCig, sob a coordenação de Carlos Jorge Sousa, com a colaboração da investigadora Liliana José Moreira, em consonância com as propostas delineadas pelo Alto-comissário para as Migrações, Pedro Calado.
Em 2015, o OBCIG assumiu o desafio de aprofundamento dos resultados obtidos a partir do inquérito aos municípios portugueses, no âmbito do “Estudo Nacional sobre as Comunidades Ciganas”. O trabalho no terreno do ObCig incidiu sobre os 129 municípios que anteriormente não deram uma resposta, mais os 30 municípios das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, entre março de 2015 e março de 2016, tendo-se apurado a existência de mais 12879 portugueses ciganos. Deste modo, a investigação tem o mérito de se debruçar sobre as respostas dos 308 municípios portugueses, conseguindo-se, pela primeira vez, representar todo o território através do recurso a uma metodologia de recolha e tratamento de dados homogénea, o que permitiu identificar 37089 mulheres e homens portugueses ciganos residentes em Portugal.
Realçam-se as limitações do estudo, “mesmo tratando-se de uma aproximação fiável à realidade”.