Durante a última ceia, Jesus lava os pés aos seus discípulos para, simbolicamente, lhes ensinar o fundamento da comunidade; o serviço aos irmãos e a igualdade fraterna constituem, pois, o fundamento da nova comunidade do Reino. Seria lógico realizar esta purificação antes de se sentar à mesa, mas o evangelista diz-nos que estavam a cear quando Jesus se levantou, cinge-se com a toalha e começa a lavar os pés aos discípulos. Bastará este gesto para lembrarmos a Ceia eucarística, fundamental na nova comunidade, onde a verdadeira dignidade do ser humano reside na entrega aos outros. Esta é a maneira de atuar de Deus, tal como se revelou em Jesus: «Se Eu, que sou Mestre e Senhor, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Dei-vos o exemplo, para que, assim como Eu fiz, vós façais também» (Jo 13, 14-15).(…)
Esta ceia pascal, e também a eucaristia, apontam para a morte de Cristo como morte salvadora, tendo como acontecimento central a morte de Cristo na cruz. É um novo êxodo, uma nova passagem, porque Ele entrega o seu corpo e derrama o seu sangue por nós e pela humanidade. Deus assume, com a morte do seu Filho na cruz, o pecado da humanidade e a atitude de total entrega de Jesus pelos outros – atinge na cruz a sua máxima expressão.
As palavras de Cristo sobre o pão (Tomai e comei isto é o meu corpo) e sobre o vinho (Tomai e bebei este é o meu sangue derramado…) adquirem assim o seu mais profundo sentido na entrega de Jesus por nós. Depois da sua morte, na sua nova vida gloriosa, o Senhor quer continuar dando-se e comunicando-se aos seus discípulos, para que participem da sua vida. Este pão e este vinho, que são o seu corpo e o seu sangue, serão um modo privilegiado de encontro e comunhão com a sua comunidade – uma das exigências mais fortes da eucaristia. Se o pão partido significava sempre para os judeus a comunicação de uma bênção, o próprio Messias vai ser bênção e alimento para os que nele acreditam. A sua morte não vai romper os laços de comunhão, bem pelo contrário, tornará possível uma comunhão mais profunda e universal pela nova presença de Cristo, na doação de si mesmo por meio dos gestos eucarísticos.
D. António Moiteiro
Excerto da homilia da Missa da Ceia do Senhor, na noite de Quinta-feira Santa,
na Sé de Aveiro