A cidade de Brasília, no Brasil, tem uma característica provavelmente única no mundo: na arborização dos espaços públicos, foi plantado um milhão de árvores de fruto. Passados vários anos da inauguração desta cidade singular, as árvores estão enormes e o povo pode ir colher os frutos, abundantes, de graça. Não há nada que o proíba. De sua casa, uma pessoa pode ir buscar a fruta que pretender, ali na porta, na avenida ou no jardim público.
Aquela abundância faz lembrar que o Deus que em Jesus multiplica os pães e os peixes e que nos disse que enviava o Seu Filho para termos Vida em abundância conduz a humanidade entre duas terras: a perdida e a prometida. A perdida está representada no paraíso terreal, em que, aos primeiros homens, simbolizados em Adão e Eva, era dado a comer de todos os frutos do Jardim. Tudo era generosamente distribuído pelos homens, numa harmonia cósmica, ferida e alterada pelo pecado original. Terra das origens, o paraíso foi perdido. Os homens nunca mais deixaram de sentir saudades dele. Surgem histórias, mitos, lendas, em todas as culturas do mundo, em todos os tempos. O que mais gosto é a ideia da Shangri-lá, que deu livro e filme de cinema que encantou os meus sonhos de criança. Recomendo…
Os homens da Bíblia sentiram que, em Deus, nada está perdido para sempre. Pela Aliança de Amor com seu Povo, Deus devolveria o paraíso perdido. Foi com base neste paraíso e seguindo as descrições do Génesis, que mosteiros, mesquitas e palácios foram feitos com claustros, jardins interiores e água abundante. Representam o paraíso perdido que nos será devolvido, um dia.
Os profetas dizem-nos que na Terra Prometida correrá leite e mel, que podemos ir buscar vinho e leite sem despesas, que todos seremos saciados como o veado que suspira pela corrente das águas… E essa abundância e harmonia cósmica passaram a ser também promessas vinculadas à vinda do Messias. Jesus assume esta realidade dizendo que veio para nos dar vida em abundância, que do nosso coração brotarão rios de agua viva, que a água que nos der não nos deixará ter mais sede. O Pão que nos der, acabará com a fome… E as multiplicações de pão e do peixe mostram bem essa realidade.
O paraíso perdido e a terra prometida encontram em Jesus a plenitude das esperanças humanas. Mas os judeus que não aceitaram Jesus como Messias esperam que essa prometida abundância aconteça no espaço e no tempo, em Jerusalém. Daí lutarem pela posse desta terra e se fazerem enterrar, muitos, como também muçulmanos, perto das muralhas da cidade santa. No entanto, muitos cristãos também pensam que a bênção de Deus está na abundância de bens nesta terra. Ter uma casa bela e bom carro, dinheiro no banco e boa roupa, boa posição social, viagens, regalias… parece ser a única abundância que muitos desejam.
Mas nem a Bíblia nem Jesus prometeram esta abundância. Prometem antes, na linha das Bem-Aventuranças, a posse de outro Reino, outra Terra, outra cidade… E, de facto, vemos que os que tem muito não são felizes. Vivem aborrecidos, alienados. Os que vivem com milhões refugiam-se na droga, no álcool, na vida sem sentido. Essa procissão de gente poderosa, aniquilada com dinheiro que não compra a felicidade, passa diante de nós, nos artistas de cinema e televisão, musica, desporto. Têm tudo e são tão infelizes. Nem estabilidade familiar conseguem ter. Vejam a vida de Diana, Marilyn Monroe, entre tantos e tantas… Está provado que quanto mais se tem, mais pobre se é. Vive-se de medos e preocupações, insatisfações que alimentam um consumismo, num círculo vicioso, só abafado na droga, na bebida ou nas ações sociais, algumas de carácter aparentemente filantrópico. E são os que menos partilham com quem de facto precisa. A corrupção domina muitos desses poderosos que, quanto mais tem, mais querem. O suicídio tem uma taxa elevada em países ricos e em gente rica.
No entanto, a abundância do Evangelho exige duas coisas para acontecer em nós. A primeira é a Fé em Deus Providente. Com a certeza de que o tempo que damos a Deus, na oração e formação cristã, não nos faz falta e só Ele é o dono do ouro e da prata. A segunde exigência é o amor, que não é gostar. Posso amar quem eu não gosto. Posso não gostar de alguém e amá-lo apesar disso. O Amor é doação de uma pessoa a outra. É dar e é dar-se sem medida. E, vemos, claramente, que ao lado dos ricos que nada dão e são tão pobres, os que dão, afinal são tão ricos no sentido do viver, por isso, felizes, ainda que vivendo num barraco. A abundância do Evangelho está no Coração do homem que ama. E quem ama tem sempre para dar. A alegria está mais no dar do que no receber. E só ganhamos o que damos aos outros. O que ama espera, pois, que um dia, a terra prometida o sacie eternamente da Sua fome do Amor, que é o próprio Deus, que disse: “Se alguém tem sede, que venha a mim e que ele beba, aquele que crê em mim! Do seu coração brotarão rios de água viva!” (Jo 7,37).
Vitor Espadilha