As raízes

Querubim Silva Padre. Diretor

Querubim Silva
Padre. Diretor

A entrevista recentemente concedida pelo Papa Francisco ao jornalista português Henrique Cyberman está recheada de breves afirmações que são nucleares para quem ama a Igreja, para quem deseja viver a missão sem subterfúgios, para quem busca uma vida que testemunhe claramente o Evangelho.
A eficácia da mudança necessária depende da humildade e coragem de ir à fonte: “ir às raízes, reconhecê-las e ver o que elas têm a dizer ao dia de hoje”. Ou seja: “o modo de fazer verdadeiras mudanças é partir da identidade”.
E este é o caminho longo e árduo que os discípulos, que o queiram ser de verdade, têm de percorrer. A normalidade da novidade inicial está demasiado oculta e desfigurada com os vícios das culturas, com os adereços da história. De tal modo que, quando Francisco diz que precisamos de ser normais e mantém uma vida de normalidade – desde o vestir ao calçar, desde o alojamento à proximidade das pessoas, desde a linguagem às expressões de piedade -, ainda consideramos exóticos os seus gestos e “fantásticas” as suas palavras.
“A pobreza e a humildade estão no centro do Evangelho”, di-lo o Papa, e em sentido teológico. Uma afirmação que rasga de alto a baixo os nossos pruridos de perfeitos e únicos, de religião superior; uma convicção que põe em causa as nossas preocupações de estruturas e organizações imponentes; uma fina e subtil verdade interior que faz estremecer todos os nossos vasos sanguíneos, suscitando um “ritmo cardíaco pastoral” e uma “tensão arterial missionária” inusitadas.
Resistimos a esta busca da identidade, porque ela nos incomoda sobremaneira. Tivemos de bandeja uma refontalização apresentada pelo Concílio Vaticano II, mas entramos num labirinto interpretativo que nos impede de ver a santa nudez dos princípios, o que nos levaria a uma verdadeira revolução pessoal e comunitária.
Sempre surgiram na Igreja estas sentinelas da identidade! As mais das vezes mal compreendidas, quando não hostilizadas, pela nossa incapacidade de sacudir a carapaça cómoda da “riqueza” acumulada pelos tempos. Coroadas depois pela canonização, ou seja, propostas como regra aos cristãos, mas já com uma auréola que no-las apresenta acima de “normais”. E nós temos que ser normais!
Força, Papa Bergoglio! Não desista de nos estimular a buscarmos as raízes da nossa fé, a zelarmos a nossa identidade, a sermos normais, para vivermos apaixonadamente o vigor do Evangelho!