Homenagem

Poço de Jacob – 133 Ser padre é um chamamento. É um dom, uma maneira de ser na vida para a santidade a partir da graça do batismo. Mais belo que outras maneiras de ser? Não creio. A beleza da vida está no modo como cada um de nós a vive ou a desvive. E a fealdade existe em todas as vocações. E também desilusões, lutas, fracassos, frustrações, desânimos, retrocessos, pecados, tristeza, solidão… ao lado de muita coisa linda que Deus nos presenteia na vida.

Não se nasce padre. O padre vai-se fazendo ao longo da caminhada. E a linguagem de Deus é misteriosa, pois fala e orienta através de mudanças de direção que nos levam a deixar o caminho e seguir por outro. Infidelidade? Penso que não podemos julgar. Os caminhos de Deus não são os nossos caminhos. Conheço uma jovem na Polónia que foi religiosa uns 18 anos. Teve a dita de estar ao lado de João Paulo II. A sua vida no convento era cheia de altos ideais, até que uma nova superiora, por motivos que só Deus sabe, manuseou a vida dessa irmã ao ponto de ela se sentir coisa – e não pessoa amada pelo Cristo a quem ela se tinha entregado.

Às vezes pensa-se na Igreja que a pessoa já está segura, e no casamento também, e deixa-se de a tratar como um ser com sentimentos e dignidade em nome de uma obediência e ordens nem sempre isentas de paixão. Conheci tantos casos! A jovem em causa precisava de um tempo para cuidar da mãe e não tinha quem o fizesse. Não era freira de clausura. A licença foi-lhe recusada, como também as missões para as quais tinha sido enviada a estudar. Enfim. A saída do convento foi dolorosa. Hoje visito-a cada ano. Está só. A mãe morreu. Está só mas tão segura de si. Tão feliz de viver. Tão apóstola na sua paróquia, sem tiques de frustrações. Tão inteira. O mesmo acontece com rapazes que foram sacerdotes, com pessoas dos mais diferentes graus de consagração, com pessoas que passaram pelo difícil transe do divórcio. Conseguiram renovar-se. Deus escreve certo por linhas tortas? Há casos que nos levam a dar graças, por isso pensei nos padres do nosso presbitério de Aveiro. Cada um e todos. Como eu. Com a sua história, a sua dedicação, o seu temperamento. A boa vontade e o esforço por dar o seu melhor. Encontramos isso em cada um deles. Não agradam a toda gente, como Jesus.

D. António Marcelino sempre nos dizia que a nossa profecia já está feita: A sorte do Mestre será a nossa! Por isso, pensei nesta homenagem. A luta e persistência, apesar de tantos momentos de hesitação. Mantêm-se fiéis? Acho que nos vamos mantendo como Deus é servido, como diz um padre da nossa Diocese. Dando o melhor. Deixando Deus reparar o que foi pior. Esperando que a obra boa chegue a bom porto… “Como Deus for servido”, na imensa solidão de quem é pesado e medido pelo mundo, e nos homens encontra amigos, mas poucos, que deem a vida por ele.

Diz um autor que quem está com Deus está mais só do que se estivesse só! Por vezes economicamente tão sós. Com obras que não pensaram fazer. Com palavras que não esperavam ouvir, boas ou más. Com um coração cheio de amor para dar… E quantas vezes com tão pouco recebido. Semeador que não colhe a maioria dos frutos. Que anda na boca de gente que tem a alma mais suja que pau de galinheiro. Alvo de chacotas e piadas de mau gosto, sabendo que, se errar gravemente, todos o crucificarão, e, às vezes, nem nos colegas nem na hierarquia encontrará ajuda e apoio. Homem de belos sonhos. Com um coração tão grande como o mar. Com desejo de acertar o passo, seja ele secretário, professor, pároco, vigário ou bispo.

Ah… Padre de Aveiro, meu colega, a minha homenagem, pois estamos no mesmo barco dos chamados que queremos ser os escolhidos. E sentimo-nos tão pequeninos e indefesos, tendo por suporte, em certas circunstâncias o único, Deus, que é o nosso refúgio. A minha homenagem diante de ti, jovem ou velho, padre de Aveiro, agora que a Diocese te oferece uma casa para morreres num lar, porque, mesmo que não exerças o ministério e tua vida possa parecer cheia de contradição, és sacerdote para sempre e o Bom Pastor ama-te e continua a apostar em ti, como não desistiu dos seus doze primeiros. Somos dele. Que Deus nos abençoe!

Vitor Espadilha