Mas, as crianças… Senhor!?

O meu falecido e saudoso pai costumava dizer que, no mundo, há duas coisas maravilhosas: as flores e as crianças. Sabemos que uma criança é um homem ou uma mulher que serão adultos. Podem vir a ser homens ou demónios. Basta pensar que Madre Teresa foi criança, mas Hitler também… Como no dia em que nasceu João Batista, perguntam sobre cada um dos seres humanos que nascemos: Quem virá a ser este menino?
Ao visitar, neste ano, os campos de extermínio nazis, pois o tema interessa-me para estudo e oração, lembrei os muitos extermínios da história de ontem e de hoje. Num dos campos, estava escrito na parede o grito de uma criança, registado por quem sobreviveu, possivelmente o guarda. Ao fechar-se a porta da câmara de gás, em plena escuridão, uma criança teria dito: “Mamã, mamã, eu não me portei mal. Porque está tão escuro, aqui?” Foram as suas últimas palavras, sem dúvida…
Se ver um animal sofrer ou um homem idoso sofrer nos arranca o coração de pena, quanto mais ouvir o choro entristecido de uma criança com dores, fome, solidão, ou morte! Jesus Menino também experimentou a perseguição na sua pequenez humana, e os mártires inocentes de Belém são um pequeno cortejo de algumas das incontáveis crianças sacrificadas pela maldade dos adultos. Os seus anjos velam por elas, disse Jesus, diante do trono de Deus.
Diz-se que ao menino e ao passarinho pequeno, põe Deus a mão por baixo. Mas o mistério de Deus na história, um Deus que se fez Homem e se deixou matar, permite que certas existências sejam marcadas pelo estigma da dor e da morte. Porquê? Não sei. Penso que um dia saberemos. Ou até depois, na clarividência do paraíso, tenhamos todas as respostas sem fazermos perguntas. Ao visitar um museu num destes campos, fixei-me num lindo bebé, gordinho, de olhos grandes, abraçado à sua linda mãe, chorando, a caminho da câmara de gás. Aquele pequenino (e outros muitos milhares como ele) comoveu-me profundamente. Percebi que não é difícil perder a fé nestes lugares e naqueles momentos, mas sobretudo senti o desafio dessa fé que nos ajuda a fazer outra leitura destes momentos trágicos da vida. Leitura de fé que nos enche de paz na confiança de que Deus tem sempre a última palavra. Então, ali mesmo, escrevi esta prece em forma de poesia sem estilo, pois era o que meu coração queria dizer. S. Paulo ensina-nos o valor da compaixão, que consiste em rir com os que riem e chorar com os que choram. Não sou poeta. Mas esta prece-lamento bem pode servir para alimentar o nosso desejo de abraçar o mundo no amor que vem de Cristo.

Pudesse eu, criança pequena,
Esconder-te de tal modo
E passar os portões do medo
Que teus olhinhos doces
Refletem assim… chorando
Diante do homem bárbaro
Que te tira do seio da mãe
E te joga, sozinha e faminta,
Num lugar onde a linguagem da morte
Ainda não era para ti.

Judeu pequenino, cigano ou polaco
Vítima da febre humana
Que não respeitou a tua inocência
E violou o teu corpinho
Com açoites de arma ou de gás
Tirando-te a vida
Que há pouco começastes a viver.
Pudesse eu recuperar o teu sorriso
Devolver-te o colo de mãe
O afago do papá e os dias
Alegres de jogos na rua.

Criança judia de corpo disforme
Sem carne e nua
Caminhas para a morte
Em câmara de gás, triste sorte a tua!
Pudesse eu esconder-te
A ti, a muitos e a todos
Dos olhos ferozes e maus
Que te fazem inimiga
Tu que és doçura de paz.

Pudesse eu esconder-te
De toda a forma de dor e de morte
De momentos terríveis
Dos genocídios da Historia.
Mas, não sou capaz!
O tempo levou-te
Virastes lembrança
Com pó e com cinza
No holocausto da vida…

Hoje vejo teu rosto
Em fotos antigas
Seleção da história
Que te levou a este fim
Ao menos agora,
Junto a Deus Nosso Pai
Que os olhos fechou
A tua sorte humana, descansa feliz
A dor já la vai
A Vida é brilho
Descansa em Paz!

Vitor Espadilha