Apresentado em Anadia livro sobre jornalismo e guerra colonial com intervenções de dois jornalistas e antigos combatentes.
O livro “O jornalismo português e a guerra colonial”, da autoria de Sílvia Torres, foi apresentado na Biblioteca Municipal de Anadia, no dia 2 de julho, e contou com a intervenção de dois jornalistas antigos combatentes na guerra colonial: Jorge Ribeiro e Armor Pires Mota, para além da autora e da presidente da autarquia anadiense, Teresa Cardoso.
Jorge Ribeiro, combatente durante 27 meses nas antigas colónias portuguesas, e autor de cinco livros sobre esse conflito, abriu a sessão, recordando que “todas as famílias portuguesas tiveram alguém envolvido na guerra colonial”, pela qual, durante cerca de 14 anos, passaram mais de um milhão de jovens, dos quais, cerca de 11.500 morreram em combate, mais de 40.000 ficaram estropiados devido a ferimentos e 150.000 sofreram (e continuam a sofrer) de traumatismos psicológicos, doença que não era reconhecida pelo regime do Estado Novo.
Em memória de todos esses jovens que se viram forçados a entrar nesse conflito armado, Jorge Ribeiro afirmou que “os antigos combatentes não devem deixar esquecer o conflito”, notando, no entanto, que “os mais novos não sabem nada sobre essa guerra”, revelando que, nas muitas palestras que profere nas escolas, apercebe-se que “os manuais escolares só reservam uma linha para dizer que houve uma guerra colonial”, não explicando nada mais sobre a mesma.
Sobre a temática do livro, Jorge Ribeiro disse que “o antigo regime não tinha interesse em que o conflito fosse tratado jornalisticamente, impondo uma forte censura ao tema.
Armor Pires Mota, que foi combatente na Guiné, de 1963 a 1965 e chefe de redação do “Jornal da Bairrada” (de Oliveira do Bairro), recordou a sua experiência pessoal no conflito, realçando que durante a sua estada no conflito foi escrevendo uma “espécie de diário”, publicando algumas dessas crónicas naquele jornal bairradino. Nessas crónicas, numa linguagem “nua e crua”, em jeito de “repórter de guerra, relatava as vivências por que passava na frente de combate, tendo sido alertado que essas publicações lhe poderiam provocar dissabores. No entanto, após regressar da guerra, resolveu reunir essas crónicas e publicá-las no livro “Tarrafo”, o qual suscitou, de imediato, a intervenção da censura, que apreendeu praticamente todos os livros, motivando que Armor Pires Mota fosse interrogado pela PIDE (a polícia política de então), o mesmo se passando com o diretor daquele jornal, o advogado Granjeia (com escritório em Aveiro).
Para Armor Pires Mota, muito do que foi escrito sobre a guerra colonial foi por pessoas que nunca lá estiveram e, pior ainda, com profundas mentiras sobre o que realmente se passou no conflito. “Quem lá esteve ficou bloqueado” e só a partir da década de 1980 começaram a publicar as suas memórias sobre o conflito.
Por causa da censura, Armor Pires Mota afirmou que “os jornalistas publicavam aquilo que podiam e eram autorizados”, realçando ainda que “os próprios jornalistas, no terreno, autocensuravam-se, não dando notícias nuas e cruas do conflito”, tanto mais que o regime impôs regras rígidas sobre a cobertura jornalística do conflito. Ressalvou que, no entanto, a censura existe em todas as guerras.
Cardoso Ferreira