Toda a gente concorda que é difícil, se não mesmo impossível, saber-se ao certo quantos são, em Portugal, os Sem-Abrigo. São muitos, isso todos o sabemos, e sempre muitos mais do que aqueles que se desejaria que existissem…
A razão da dificuldade na contagem prende-se com a definição social e política do que se possa entender o que seja um “sem-abrigo”. Há quem pretenda que uma pessoa que viva, por exemplo, numa casa abandonada, sem as mínimas condições de habitabilidade, ou que pernoita num abrigo, não seja considerada um Sem-Abrigo; e depois há também os Sem-Tecto, e outras definições que, por vezes, dá jeito encontrar, para reduzir números ou adocicar o problema, porque de um problema se trata, efectivamente!
Muita gente se recorda muito bem da placa existente em muitas das nossas ruas e esquinas, com a legenda lida a repetida: “PROBIDA A MENDICIDADE”.
No “Sumário” que explica o conteúdo do Decreto-Lei, que refere a dita proibição, pode ler-se: “Atribui ao Ministério do Interior, por intermédio das autoridades administrativas e policiais, competências para estabelecer e fazer executar as medidas de carácter policial destinadas a reprimir a mendicidade – Cria o Serviço de Repressão da Mendicidade e mantém em vigor, em tudo o que não for contrariado por este diploma, as disposições dos Decretos-Leis n.os 30389 e 36448”, de 20 de Abril de 1940, e de 1 de Agosto de 1947, respectivamente.
E também sabemos que não foi a força da legislação, então (?) vigente, que a mendicidade acabou, ou foi reduzido o número dos que precisavam e viviam da mendicidade, isto é, das esmolas de amigos, vizinhos, conhecidos ou desconhecidos… e que às nossas portas batiam Mendigos, e em qualquer rua nos deparávamos com muitos, desde homens e mulheres de todas as idades, em que não faltavam as crianças, de modo bem visível e impressionante!
Passaram anos – muitos! – sobre a referida legislação, proveniente de uma governação que muitos de nós não gostamos de recordar…
A nossa União Europeia anima um processo que preconiza a criminalização dos Sem-Abrigo! Como se, ser Sem-Abrigo – não ter tecto nem casa – seja um crime! Ou quereremos fazer ressuscitar legislação que está morta e enterrada, e que, comprovadamente, em nada resultou?! Algumas pessoas, de grande responsabilidade nas áreas sociais, recomendam “bom senso”: eu alinho nesse tom, totalmente.
Mas há exemplos, bem concretos, da aplicação de sanções para mendigos, e para quem os ajude: a proibição da mendicidade e a criminalização de quem pede esmola na Noruega, por exemplo, é uma amostragem da perseguição e da criminalização de que têm sido alvo os Sem-Abrigo na Europa; em Setembro de 2013, o Parlamento Húngaro aprovou legislação que permite aos seus municípios impor multas, serviço comunitário e até pena de prisão, a pessoas sem-abrigo. O presidente da Câmara de Verona – Itália – diz que os Sem-Abrigo são “uma ameaça à saúde pública”, pelo que, quem decidir alimentá-los, incorre numa multa entre 25 e os 500 euros! Noutros países criaram-se espigões, em certos locais, para evitar que aí possam dormir pessoas sem casa e desabrigados!…
Em Portugal há legislação bastante para que os Sem-Abrigo sejam tratados doutro modo. Espero e desejo, que nunca se tente tratar esta questão de Pessoas em dificuldade e tão fragilizadas, com multas, prisões ou outros castigos. A Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas Sem-Abrigo – ENPISA – tem uma meta, cujo fim está à vista – 2015 – que inclui uma atenção muito especial à Prevenção, Intervenção e Acompanhamento das Pessoas em causa. Reconhecendo que o fenómeno é complexo e de factores e dimensões várias e muito diversificadas, foi ainda criada a Comissão Alargada do Grupo para a Implementação, Monitorização e Avaliação da Estratégia – GIMAE .
É que estas questões são demasiado complexas e de difícil solução: por isso, a acompanhar a legislação dos nossos Países, tem sempre de existir a mobilização de indivíduos, grupos, associações, empresas, organizações, comunidades, deixando que o coração fale ao ritmo do que se vê, pensa e decide.
Há coisas que nunca se resolverão por decreto. E quando se trata de cuidar de pessoas fragilizadas e, tantas vezes marcadas por gestos de marginalização, de críticas, de inquéritos, de entrevistas, de preenchimento de fichas…então é sempre tempo de deixar falar também o coração, porque acredito que, “quem vê com o coração”, vê sempre muito melhor; diz-se que “só se move, quem se comove”. Também acredito nesta força mobilizadora de pessoas e de grupos!