Com a clara consciência gradualista, que o habitava, e com a vontade persistente que o impelia, G. B. Montini, uma vez coroado, depõe a tiara, que chega a vender, para, com o seu produto, ir ao encontro de necessidades reais dos homens.
A partir daí, pode ele impor aos cardeais da Santa Igreja Romana, secularmente designados de “príncipes”, maior simplicidade: no séquito, no hábito e no habitat. A partir daí, para omitir outros factos, gestos e palavras, pode ele traçar o admirável testamento de humildade e pobreza, com a disposição de que os seus “funerais sejam muito simples” e que não deseja nem túmulo especial nem monumento algum, “apenas algumas orações pela minha alma (obras de beneficiência e orações)”. A partir daí, pode ele, nesse mesmo testamento, louvar os irmãos por nunca lhe terem pedido nada, evitando o nepotismo de tão funestas consequências no passado da Igreja, pode ele dispor que todos os seus manuscritos pessoais fossem queimados, pode ele instituir legatária universal dos seus bens a Santa Igreja, pode ele pedir que o seu corpo fosse inumado, verdadeiramente inumado, na terra (…). A partir daí, este homem oriundo da classe média e que não possuia experiência pessoal da miséria e da desnudez mas que, como ser intuitivo e sofredor que era, tinha uma aguda percepção das situações-limite da falta de tudo, tantas vezes presenciadas, na Itália, e, sobretudo, fora de Itália, em vastas regiões do Terceiro e Quarto Mundos, a partir daí, Paulo VI devia ter experimentado o contraste, até à dor, entre certos aspectos “pomposos” da Igreja aspectos que sabia não poder suprimir, e a pobreza de tantos homens, cristãos ou não, que ele não podia ajudar. Possuindo, por outro lado, o sentido da beleza e da grandeza das obras de Deus e do génio e trabalho dos homens, Paulo VI exara ainda, no seu testamento, uma expressão onde ele, decerto, não se encontra todo mas onde se encontra em boa parte: “Fecho os olhos sobre esta terra dolorosa, dramática e magnífica…”.
O homem de grande sensibilidade, de grande fé, de grande cultura e de grande simplicidade aspirativa, que era G.B. Montini, não poderia exprimir-se de outra maneira.
Texto do padre jesuíta Manuel Antunes, escrito em 1978, a quando da morte do Papa Paulo VI. Manuel Antunes (Sertã, 1918 – Lisboa, 1985) é unanimemente considera-do um dos maiores vultos da cultura portuguesa do séc. XX, com obras no domínio da Filosofia, Educação e Política, entre outras áreas do saber (ver página 9).
Giovanni Baptista Montini (Paulo VI) nasceu a 26 de Setembro de 1897 e morreu a 6 de Agosto de 1978 (Papa desde 21 de Junho de 1963). No passado 8 de Dezembro, celebrou-se o 40º aniversário do encerramento do II Concílio do Vaticano, que Paulo VI herdou de João XXIII e levou a bom termo.