Tertúlia sobre refugiados criticou políticas europeias de acolhimento, desfez mitos associados aos refugiados e foi espaço de partilha sobre acolhimento de família síria em Oiã.
Com a atual política europeia relativa aos refugiados, “estamos a fazer muito mal a toda a gente e estamos a fazer muito mal a nós próprios”, disse a professora Maria Luís no encontro-tertúlia sobre refugiados que aconteceu no Centro Universitário Fé e Cultura na noite de 13 de julho. O título era “A coragem de acolher”. A professora universitária, doutorada em sociologia e especialista em questões demográficas, apresentou alguns números que evidenciam que a União Europeia (UE) precisa de pessoas, quer cheguem como emigrantes, quer como refugiados. Os dados mostram que entre 2004 e 2015, a população mais jovem de UE diminuiu de 16,4 para 15,6 por cento, enquanto a mais velha aumentou de 16,4 para 18,5 por cento. E, como referiu a professora, já em 2005 os dados indicavam que em 2050 a Europa precisaria de 40 milhões de emigrantes para manter o nível de vida. Acontece que, na atual crise dos refugiados, entraram cerca de 1 milhão de pessoas na UE mas só foram recebidas e integradas 160 000, o que corresponde a 0,03 por cento da população. Na expressão da professora, “é ridículo” pensar que o número representa alguma dificuldade. Pelo contrário, significa que “politicamente a UE não tem trabalhado para o acolhimento”.
Refira-se que, no início deste encontro organizado pela Orbis-Cooperação e Desenvolvimento e pela Comissão Diocesana Justiça e Paz, Cláudia Ventura observou que emigrantes e refugiados são conceitos diferentes. O refugiado, segundo a definição da ONU em 1951, tem por detrás violência e perseguição por motivo de raça, religião, nacionalidade ou outro.
Pedro Neto, diretor executivo da Amnistia Internacional (AI – Portugal), referiu que há 65 milhões de refugiados no mundo, mas que, ao contrário da ideia comum, estão principalmente em países em vias de desenvolvimento. 88 por cento dos refugiados estão em países pobres. A Europa pode queixar-se dos refugiados da Síria e “pagar à Turquia para ficar com o problema”, mas a realidade, apontou, é que os refugiados sírios estão principalmente no Líbano, na Jordânia e na Turquia. Realçou, por outro lado, que há quem dê as boas-vindas aos refugiados, quem ponha faixas em campos de futebol com mensagem positivas, quem estenda literalmente o tapete para os receber, quem divulgue imagens positivas nas redes sociais. Neste sentido, referiu um inquérito da AI que adiantava que “81 por cento da população quer acolher refugiados”. Miguel Oliveira, da Plataforma de Apoio aos Refugiados, falou da sua experiência de voluntário, destacando-se a sua presença na ilha grega de Lesbos, em abril passado, precisamente quando o Papa Francisco visitou a ilha. Alertou para a dificuldade do processo burocrático de acolhimento, com sucessivos telefonemas e encontros, ao longo de meses, quando é difícil para um refugiado estar contactável, para além da questão da língua. Notou, no entanto, quem “tem havido progressos na recolocação de refugiados e na reunificação de famílias” e que os “verdadeiros campos de concentração ou de depósitos de pessoas” têm sofrido melhorias.
O encontro terminou com os três convidados a responderem à pergunta “o que podemos fazer?” e uma nota positiva. Podemos fazer algo, de facto. Podemos contrariar os preconceitos. Podemos estar informados. Podemos desmontar “os mitos” de que “são perigosos”, ou “roubam o emprego”, quando querem é pacatez e são um benefício económico para o país que os acolhe. Podemos “educar para a integração”.
Família síria em Oiã
A nota mais positiva veio do público. O vice-presidente do Centro Social de Oiã (CSO), Joaquim Fresco, partilhou sobre o acolhimento de uma família síria, desde fins de maio, na instituição. A família é constituída por um casal, um primo e o bebé do casal; o bebé, já nascido num campo de refugiados da Grécia, completou um ano em Oiã. De origem urbana, a família está a adaptar-se bem. Sabem inglês e estão a aprender português. A família já cultiva uma horta e tem um canário. Telefonou logo ao responsável do CSO para dar os parabéns pela conquista portuguesa do Euro. “São nossos familiares. Apenas vieram de longe”, resume Joaquim Fresco. A história valeu uma salva de palmas das quase cem pessoas presentes na sessão.
J.P.F.