Um padre, um cientista e um cientista social debateram ciência e religião. Ambas continuam em busca de respostas para as mais diversas questões.
Com a encíclica “Laudato Si” (“Louvado Sejas”), o Papa Francisco introduziu a pessoa no ambiente, por isso, esse documento é, na opinião do padre jesuíta Vasco Pinto Magalhães, “um texto profundamente ético”.
A afirmação foi feita durante um debate sobre Ciência e Religião, inserido no ciclo “Ambiente para Conversa”, promovido conjuntamente pelo Departamento de Ambiente e Ordenamento (DAO) da Universidade de Aveiro (UA) e pela Fábrica Centro Ciência Viva de Aveiro, realizado nesta última instituição, no dia 8 de julho, e que juntou na mesma mesa José Manuel Martins, professor do Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território da UA, João Paiva, professor da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, e o padre jesuíta Vasco Pinto Magalhães, doutorado em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma e autor de diversos livros sobre ciência e religião.
Na primeira intervenção, José Manuel Martins, que se assumiu como “não crente”, apresentou uma resenha da evolução do Universo, desde o “big bang” até à atualidade, recordando que há 18.000 anos o nível do mar estava cerca de 120 metros abaixo do presente, e que ainda há dois séculos, a esperança de vida na Europa era de 27 anos, afirmando que a esperança de vida só começou a aumentar a partir da “revolução industrial”, que permitiu o aumento da quantidade disponível de alimentos.
Ao longo de muitos milhares de milhões de anos, a Natureza conseguiu sempre sobreviver e adaptar-se às alterações ocorridas. Por isso, o investigador da universidade aveirense não duvida que “a natureza vai sobreviver ao homem” e é ao “homem que interessa preservar o ambiente”, porque o homem para poder sobreviver precisa da natureza tal como ela é no presente.
A concluir, José Manuel Martins afirmou que ainda há muita desigualdade no mundo, e que se há fome, não é por não haver alimentos, mas porque são mal distribuídos”.
Ciência e religião complementam-se
Afirmando-se crente e “seguidor” dos ideais de Santo Inácio de Loyola, João Paiva considerou que ciência e religião são compatíveis e que ambas continuam em busca de respostas para as mais diversas questões.
Neste momento, a fronteira entre a ciência e a ética é muito ténue, residindo o problema na resposta à questão: “Tudo o que posso fazer, devo fazer? Se isso é amor, então faça-se”, lembrando que a ciência pode fazer muitas coisas que eticamente não deverão ser feitas.
Para o investigador da Universidade do Porto, a Bíblia não pode ser “lida ao pé da letra”, mas que “é preciso reinterpretar” esse texto inspirado pela Palavra de Deus, nunca esquecendo que Deus não é um ser “poderoso” e “longínquo”, mas sim “acessível” e “credível”, e que se manifesta sobretudo através do “amor” e da disponibilidade de cada um de nós para ajudar os outros que nos estão próximos.
Também o padre Vasco Pinto Magalhães recordou que “a Bíblia não se pode ler como um romance, um livro científico ou uma ideologia”, tal como também é mentira a ideia de que “os cientistas são ateus”.
Depois de citar Einstein, dizendo que “a ciência sem religião é coxa; a religião sem ciência é cega”, o padre jesuíta realçou que “a ciência é precária, está sempre em busca de novas respostas”, pelo que a ciência, tal como a religião, não pode ser uma ideologia, nem um dogma, mas estar aberta à mudança.
“Se houver uma religião verdadeira e uma ciência verdadeira, elas serão compatíveis”, agora se for uma “religião fanática e milagreira”, ela estará condenada fatalmente. Se a ciência for dogmática, ela será um erro. Por isso, “por mais avanço que a ciência consiga, não elimina a religião. Dá outras respostas”.
“Uma ciência sem filosofia é uma ciência economicista”, afirmou Vasco Pinto Magalhães, para quem “o grande problema do catolicismo não é a ciência, mas a ética e a praticabilidade das descobertas científicas”.
“Com tanto erro que fizemos, como é que ainda não demos cabo da Igreja?”, perguntou o padre jesuíta, respondendo que isso não aconteceu porque a Igreja “é uma comunidade à procura da liberdade para amar”.
No diálogo final, uma pessoa da assistência desafiou os participantes a vivenciarem a experiência do amor, analisando os resultados dos atos solidários que prestam, por exemplo, numa visita aos presos, aos doentes, aos que sofrem.
Cardoso Ferreira