A obrigatoriedade do descanso semanal está consagrada na lei desde 1921 (Convenção n.º 14 da OIT), defendendo que ele deve ser “tanto quanto possível, concedido simultaneamente a todo o pessoal de cada estabelecimento, e coincidirá, na medida do possível também, com os dias consagrados pela tradição ou pelos usos do país”.
Portugal é um país de matriz católica, como aliás muitos outros por esse mundo além. Desde o século IV que o dia de descanso para os cristãos passou a ser o domingo. E continua a haver muitos países onde os fluxos migratórios não alteraram as raízes de matriz cultural cristã, onde a tradição do descanso dominical conta séculos de prática social.
Portanto, não é ingenuidade ou arcaísmo o Papa Francisco sugerir que trabalhar aos domingos “não é positivo”. É facto que a própria OIT contempla a exceção dos trabalhos contínuos, que exigem dias de descanso desencontrados. O problema é que se mercantilizou o trabalho, a própria pessoa, de tal maneira que não há valores que contenham a sede do lucro. E mais ainda: Em função desse mesmo lucro, criaram-se necessidades, dispensáveis, que atropelam os dias de descanso, ignorando em absoluto as tradições ou os usos do país. Apagou-se, por completo, a dimensão do convívio familiar, a função social do descanso, em prol dessa mercantilização e do lucro.
Cada um lê as palavras do Papa conforme os seus preconceitos. “O Papa defender o descanso ao domingo é um pouco arcaico, é um discurso ruralista, quando o mundo era simples” – diz o sociólogo Moisés Espírito Santo. Pelo acima exposto, discordo frontal-mente. Como bem saberá – ou tem obrigação de saber – para nós mergulha na mais lídima tradição cultural do país. E muitos dos atropelos desse descanso dominical resultam de importações estrangeiras à alma do nosso povo.
Mais profunda é a minha discordância da opinião de Carlos Esperança, afirmando que Bergoglio “está a defender os interesses comerciais do Vaticano”. Quererá ele dizer que enche os cofres do Vaticano? Como? Entre nós, a partilha dos fiéis com a Comunidade, para apoio aos serviços paroquiais, não passa essencialmente pelo domingo.
O descanso semanal não é um carregar de baterias para aguentar nova semana de trabalho. Essa é a conceção mercantilista do trabalho e da pessoa. “O ser humano não é uma besta de carga e o descanso semanal não deve ser encarado como uma recuperação de forças para depois trabalhar mais, mas como um tempo para fruir a vida, meditar, contemplar a beleza, alegrar-se com a vida e estar em família” – é a opinião acertada de Anselmo Borges, com a qual concordo plenamente. As motivações religiosas darão ainda outra profundidade e densidade ao descanso legítimo e necessário.