JOÃO GONÇALVES GASPAR
Padre e historiador
Na vila de Eixo, na Costa das Ribas, em 12 de dezembro de 1985, foi casualmente descoberto um forno cerâmico, que logo se identificou como sendo um marco importantíssimo da época final da presença romana na nossa região (séc. III-V). Dez anos mais tarde, em dezembro de 1995, na mesma vila, na Alagoela e em local não muito distante do anterior, apareceu um novo forno cerâmico, também dos finais do período romano. Os dois fornos, que laboraram há mais de mil e quinhentos anos, situavam-se, nessa altura, à beira de uma linha de água, precisamente na margem sul do estuário oceânico que se alongava até ao Marnel. Tal circunstância proporcionaria tanto a captação da água necessária para preparar a produção dos materiais, como o escoamento dos produtos fabricados em transporte marítimo ou fluvial. Sendo a região relativamente pobre em estações arqueológicas, logo a Câmara Municipal e a Junta de Freguesia tentaram acautelar estes achados, em virtude do seu significado como documentos incontroversos das nossas raízes ancestrais. Afortunadamente, um dos fornos teria melhor sorte do que o outro.
Forno romano
Fixemo-nos no forno romano da Costa das Ribas; ele é de inegável valimento histórico, cultural e científico, tanto para Eixo como para Aveiro e arredores, porque demonstra ou confirma nesta região a presença romana e a produção cerâmica já nesses recuados tempos. Logo após a descoberta, realizaram-se cuidadosas escavações, recolheram-se vários elementos cerâmicos e fizeram-se diversos exames e estudos, sob a responsabilidade de uma equipa do Instituto de Arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, com o patrocínio do Instituto Português do Património Cultural, dos Serviços de Cultura do Município de Aveiro e da Junta de Freguesia local. No forno e à sua volta, encontraram-se fragmentos de tégula e imbrex (cana e capa da telha) – peças estas que se utilizavam na cobertura das casas; dois ou três arcos do forno pareceram estar intactos, assim como um pedaço da respetiva grelha. Como resultado, confirmou-se que efetivamente se tratava de um forno semelhante a outros já conhecidos e cujo período de utilização decorrera nos finais da ocupação romana.
Para salvaguardar o forno e para obstar à sua deterioração progressiva, a Junta de Freguesia de então sinalizou-o, resguardou-o com uma cobertura e tornou o acesso mais fácil. Além disso, adquiriu o prédio rústico em que ele se encontra, onde criou um estacionamento para veículos e mandou plantar árvores, com o intuito de que o local se tornasse num espaço de convívio para visitantes, estudiosos e arqueólogos. Foi uma decisão que mereceu o louvor dos peritos e amantes da história de Eixo… e não só.
Porém, o que foi possível fazer, apesar dos limitadíssimos recursos económicos, não correspondeu totalmente à sonhada recuperação e à defesa do monumento. Agora, numa visita de há dias, tive pena do seu avançado estado de degradação, sem haver um cuidado conveniente pela mais antiga memória da vila de Eixo. Urge melhorar a via do seu acesso, cuidar da sua proteção, consolidar a sua frágil estrutura, preencher juntas e lacunas e limpá-lo das ervas nascediças. E mais uma lembrança: – Será conveniente que, na sinalética, se substitua “forno cerâmico” (que pouco diz), por “forno romano” (que diz tudo).
Todos os eixenses – e mesmo os aveirenses – não podem desprezar mas devem estimar e conservar tão preciosa raridade como objeto de vanglória e de estudo. O sesquimilenário forno romano jamais pode ser esquecido pela Autarquia, a qual também deve sentir a obrigação moral de defender a riqueza histórica da sua terra e da sua gente.