Que lógica?

Querubim Silva Padre. Diretor

Querubim Silva
Padre. Diretor

Os sintomas são preocupantes: a política foi capturada pela finança! É isso que todos os dias verificamos: as medidas políticas estão absolutamente reféns dos subterrâneos meandros financeiros. Com toda a frequência assumam à luz do dia labirínticos esquemas fraudulentos de enriquecimento, que seduzem o poder. E, mais grave, aparecem aqui e ali indícios de pessoas ligadas ao próprio poder judicial enredadas nas mesmas malhas destes esquemas corruptos. Urge, por isso, promover a ecologia humana, desencadear “agressivas” campanhas de purificação dos corações, para que a pessoa humana se reencontre como ser autónomo, mas consciente da sua existencial dependência e relação com os demais, que só a primazia do bem comum, o respeito e a solidariedade com todos podem preservar e tonificar.
Neste esforço de reorientação civilizacional, ganham cada vez mais importância as palavras e os gestos do Papa Francisco. O recente Consistório proporcionou duas reflexões basilares, dirigidas especialmente aos cardeais e aos cristãos, mas válidas para todos os homens que honestamente se disponham a servir a res publica, os povos, os estados.
A primeira, a partir do Hino à Caridade de Paulo (1Cor 13), Francisco estabelece uma relação proporcional entre as responsabilidades eclesiais e o dever de “puerificar o coração: “Quanto mais se amplia a responsabilidade no serviço à Igreja, tanto mais se deve ampliar o coração, dilatando-se de acordo com a medida do coração de Cristo. A magnanimidade é, em certo sentido, sinónimo de catolicidade: é saber amar sem limites, mas ao mesmo tempo fiéis às situações particulares e com gestos concretos”.
A tentação do egoísmo, da auto-referência, do interesse próprio, é comum a todos Mas é possível erradicar do coração essas “plantas invasoras”. Como diz o Papa: “Isto é verdadeiramente um milagre da caridade, porque nós, seres humanos (todos, e em todas as idades da vida), sentimo-nos inclinados à inveja e ao orgulho por causa da nossa natureza ferida pelo pecado. E as próprias dignidades eclesiásticas não estão imunes desta tentação”. Mas o antídoto é perfeito: “Ao contrário, a caridade descentraliza-te, situando-te no único verdadeiro centro que é Cristo. Então, sim, podes ser uma pessoa respeitadora e atenta ao bem dos outros”. Em verdade, “quem vive na caridade, se descentralizou de si mesmo. A pessoa que vive auto-centralizada, inevitavelmente falta ao respeito e, muitas vezes, nem se dá conta disso, porque o «respeito» é precisamente a capacidade de ter em conta o outro, a sua dignidade, a sua condição, as suas necessidades. Quem está auto-centralizado, procura inevitavelmente o seu próprio interesse, parecendo-lhe isso normal, quase um dever”.
No dia 15, concelebrando com os novos Cardeais e comentando o evangelho de Marcos que narra a cura do leproso, o Bispo de Roma desce às atitudes concretas que tornam viva a ternura de Deus neste mundo envolto em egoísmo exclusivo, fabricador de manchas imensas de desprotegidos e marginalizados. “A compaixão de Jesus! Aquele «padecer com» levava-O a aproximar-Se de cada pessoa atribulada! Jesus não Se retrai, antes, pelo contrário, deixa-Se comover pelo sofrimento e as necessidades do povo, simplesmente porque Ele sabe e quer «padecer com», porque possui um coração que não se envergonha de ter «compaixão»”.
Jesus vence os preconceitos. Rompe a exclusão, porque aquele leproso “Não é apenas vítima da doença, mas sente que é também o culpado, punido pelos seus pecados. É um morto-vivo, como «se o pai lhe tivesse cuspido na cara» (cf. Nm 12, 14). Além disso, o leproso suscita medo, desprezo, nojo e, por isso, é abandonado pelos seus familiares, evitado pelas outras pessoas, marginalizado pela sociedade; mais, a própria sociedade o expulsa e constringe a viver em lugares afastados dos sãos, exclui-o”.
O Mestre não vem abolir a Lei. Mas vem trazer-lhe o sentido pleno. “Jesus revoluciona e sacode intensamente aquela mentalidade fechada no medo e autolimitada pelos preconceitos. Contudo Ele não abole a Lei de Moisés, mas leva-a à perfeição (cf. Mt 5, 17), declarando, por exemplo, a ineficácia contraproducente da lei de talião; declarando que Deus não gosta da observância do sábado que despreza o homem e o condena; ou, quando perante a mulher pecadora, não a condena, pelo contrário salva-a do zelo cego de quantos já estavam prontos para a lapidar sem dó nem piedade, convictos de aplicar a Lei de Moisés. Jesus revoluciona também as consciências no Sermão da Montanha”. Extenso e profundo programa de ecologia do coração humano! Ótimo caminho de conversão quaresmal!
“Para Jesus, o que importa acima de tudo é alcançar e salvar os afastados, curar as feridas dos doentes, reintegrar a todos na família de Deus. E isto deixou alguém escandalizado!
E Jesus não teme este tipo de escândalo. Não olha às mentes fechadas que se escandalizam até por uma cura, que se escandalizam diante de qualquer abertura, qualquer passo que não entre nos seus esquemas mentais e espirituais, qualquer carícia ou ternura que não corresponda aos seus hábitos de pensar e à sua pureza ritualista. Ele quis integrar os marginalizados, salvar aqueles que estão fora do acampamento (cf. Jo 10).
Trata-se de duas lógicas de pensamento e de fé: o medo de perder os salvos e o desejo de salvar os perdidos”. Qual é a nossa lógica de fé?