A adoção por «casais» homossexuais foi aprovada, na Assembleia da República, com o voto favorável das autodenominadas «forças progressistas». Invocar esta autodenominação é intencional, pois toda esta discussão tem estado alicerçada num conjunto de sofismas e desvios que conduziram a mais este passo. Na realidade, desde há muito que os discursos mediáticos são estruturados sobre a ideia de que quem não aceitar estas mudanças está do lado do conservadorismo e é contra o progresso. Chega-se, mesmo, a designar essa atitude como retrógrada e reacionária. Confusão, seguramente, com liberdade e capacidade de pensar. A liberdade e capacidade de pensar, aliás, dos muitos cristãos que, nos regimes totalitários suportados pelas mesmas ideologias que justificam estas mudanças, foram capazes de levar ao declínio e falência dos tais regimes. Se não fossem «reacionários» como Lech Walesa ou Vaclav Havel, ainda hoje o Leste da Europa estaria subordinado a regimes totalitários que, em nome do progresso, foram os primeiros a liberalizar o aborto ainda na década de 20 ou a defender o fim da família. A mesma matriz de regime que, no contexto chinês, sustentou, durante décadas, a política do filho único.
São as mesmas ideologias que, hoje, de forma dissimulada, fazem uma revolução lenta, manipulando as massas com os recursos que as massas absorvem. Mas, confesso, nunca gostei de me sentir manipulado. A fé cristã sempre me assegurou a liberdade de quem se sabe peregrino e, por isso, sobrevivente à morte e ao mundo. E, nesta matéria de oposição ao que vem sendo considerado como «direito dos homossexuais» sinto-me bem acompanhado, pois esta posição tem contado com significativos apoios, de que destaco o de um dos mais consagrados constitucionalistas portugueses, o professor Doutor Jorge Miranda que sempre vem defendendo que o «casamento homossexual é inconstitucional» (ver notícia de 16 de março de 2010).
Regressemos, porém, ao nosso tema.
No passado dia 20 de novembro, a Assembleia da República aprovou a adoção de crianças por «casais» homossexuais, uma medida que resulta dos passos que já tinham sido dados em 2003 (com a aprovação da união de facto homossexual) e em 2010 (com a equiparação da união homossexual a casamento). Já então se percebia que o rumo pretendia passar pela adoção. Mas é bom ter consciência de que este é, apenas, mais um passo. Na verdade, a adoção não é, ainda, o objetivo pretendido. Falta que os «casais» homossexuais possam gerar filhos. E tal, como está reservado pela natureza, terá de passar por barrigas de aluguer. O passo seguinte, seguramente. E, como o fim da suposta discriminação de homossexuais gera nova discriminação em relação aos bissexuais e aos polígamos, será necessário, em breve, avançar nesse sentido. O objetivo é claro. Chegará o momento em que já não se justificará falar de família, restando, então, a relação direta entre o Estado e o indivíduo, sem a mediação deste elemento «perturbador» que era a família. A visão pode parecer pessimista, mas o futuro o dirá.
Contudo, importa perguntar se, à luz deste percurso, a discussão esteve centrada no que consagra a convenção sobre os direitos da criança (1989), que estabelece que tudo o que seja feito com repercussão sobre a criança deve atender ao seu «interesse superior» (art.º 3º). As dúvidas são muitíssimas. Contrariamente ao estabelecido na convenção, toda esta discussão se centrou na ideia, não de que à criança devem ser asseguradas as mais perfeitas condições para o seu crescimento, condições garantidas por um pai e uma mãe, mas sim na tentativa de corresponder a um hipotético direito a ter filhos. Na verdade, há aqui um duplo problema. Em primeiro lugar, é discutível que se tenha direito a ter filhos. Há, neste ponto, uma confusão entre desejo e direito. O facto de se ter um determinado desejo não o configura num direito. Para haver direito e este ser baseado na justiça é preciso que algo seja devido por inerência. Ora, está fácil de ver que não é inerente à relação homossexual a possibilidade de gerar filhos. O segundo problema tem a ver com o facto de um filho não ser um bem a que os pais têm direito, mas alguém que está antes e para além dos direitos deles. Ele constitui-se como um dever para eles. Sendo assim, discutir o problema da adoção a partir do direito dos adultos perverte a discussão. Ela devia colocar-se no prisma da criança. Ora, a adoção de uma criança por um «casal» homossexual é como que um decreto de orfandade de iure, por direito. Isto é, àquela criança está a ser impedida a possibilidade de ter pai e ter mãe, de beneficiar das diferenças naturais (de diversa ordem: física, fisiológica, psicológica, etc.) entre o masculino e o feminino. E não é argumento a ideia de que é melhor assim do que ficar numa instituição ou sem adoção. É um falsíssimo problema, pois o escrutínio é apertado para a adoção e o que se está a fazer é a impedir que a determinada criança seja proporcionada a totalidade dos direitos que tem, bastando-se em dar-lhe uma parte dos seus direitos. A criança concreta que é entregue a um «casal» homossexual não pode ter uma família com pai e com mãe. É esse o problema. Ora, diante desta orfandade de iure (por direito), quem responderá pela ausência de pai ou de mãe? É que, como sabemos, a um órfão nunca se poderá perguntar como seria ter vivido com o ausente. Ele não sabe como seria e isso é que é doloroso. Mas sente a sua falta, no silêncio do seu íntimo inviolável. E dessa falta não se tem falado. Porque parece mais adequado só falar dos direitos dos adultos. Mas, um dia, quando o legislador que tomou esta decisão, agora, já não estiver cá para arcar com as consequências, quem responderá ao ‘órfão’ a quem impediram de ter o pai ou de ter a mãe por um decreto demagógico?