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QUERUBIM SILVA Padre. Diretor

QUERUBIM SILVA
Padre. Diretor

As celebrações pascais aproximam-se. São o culminar desta “descida” contínua e radical do Filho de Deus ao cerne da pequenez da Humanidade, para a recriar a partir de dentro. Ao atingir o “chão” dessa pequenez pela entrega da própria vida, inicia-se o inverso da “viagem”, ou seja, a exaltação que leva o Senhor Jesus Cristo à glória. A esta descida a teologia chama kenose, que quer dizer ocultação, aniquilamento.
Essa é a constante da história da Revelação e Salvação: Deus “incarna” no silêncio do íntimo mais profundo das pessoas e dos factos, para emergir, progressivamente, manifestando-Se como o Deus-Único, como o Deus-Comunidade, como o Deus-Amor.
“Deus não dá “show”. Ele atua no silêncio e na humildade. Esta é a sua forma de atuar na histó-ria” – dizia-nos um dia destes o Papa Francisco. Palavras pronunciadas em comentário ao texto evangélico em que Jesus repreende os habitantes de Nazaré pela falta de fé. A reação dos ouvintes de Jesus mostra como o povo “pretendia um sinal” de alguém que achavam que deveria ser “diplomado”; ao invés, sai-lhes “o filho do carpinteiro que lhes era familiar”.
Continua a ser essa, muitas vezes, a expectativa, a reação dos crentes: o desejo de que Deus se manifeste por sinais e prodígios fantásticos. Daí a nossa dificuldade em perceber a presença divina ténue e discreta, mas não sem vigor, muito menos ineficaz, nos controversos “sinais dos tempos”. Mas “o estilo do bom Deus não é dar “show”: Deus atua na humildade, no silêncio, nas coisas pequenas” – diz o Santo Padre. E cita variados exemplos da história bíblica. “Quando Deus quis libertar o seu povo, libertou-o pela fé e a confiança num homem, Moisés. Quando Ele quis fazer cair a poderosa cidade de Jericó, ele usou uma prostituta. Também para a conversão dos samaritanos, pediu o trabalho de outra pecadora. Quando Ele enviou David para lutar contra Golias, parecia tudo uma loucura: o pequeno David diante do gigante, que tinha uma espada, tinha muitas coisas, David tinha apenas uma funda e algumas pedras. Quando disse aos Magos, que tinha nascido o Rei, o Grande Rei, o que encontram eles? Uma criança numa manjedoura. As coisas simples, a humildade de Deus, este é o estilo divino, jamais um show” – prosseguiu Francisco. E recorda-nos o que nos passa despercebido tantas vezes: “E também na liturgia, nos sacramentos se manifesta a humildade de Deus e não o show mundano”. É verdade: palavras simples, elementos físicos simples – água, pão, vinho, azeite benzido… – são os sinais discretos da pujante força da graça, que atua no silêncio, na humildade.
A tentação do “show”, da ostentação, do poder, experimentou-a Jesus Cristo no deserto. Jesus recusou liminarmente tal sedução! É esse o desafio forte e ousado que a Igreja enfrenta continuamente. Até a pretexto de “liberdade para anunciar o Evangelho” somos ciosos de visibilidade e de poder! Todavia, o Reino é um dom, semente minúscula entregue à nossa responsabilidade, para a fazer germinar e crescer, até dar muito fruto, a qual cresce e se desenvolve, dia e noite, sem sequer darmos por isso.
Estamos a meio da caminhada quaresmal. Aceitemos o convite final do Papa, a fim de redobra-mos de entusiasmo no esforço de acolher esse Reino e de darmos o nosso melhor, para que perpasse os corações das gentes do nosso tempo: “Pensemos nas nossas vidas e no modo como o Senhor nos ajudou, como o Senhor nos fez seguir em frente; e descobriremos que Ele fez isso tudo com coisas simples”. Experimentemos esta pequenez, discrição e humildade, que revoluciona o mundo!