Hoje a minha crónica tem um tema familiar. Foi fascinante encontrar, ao longo do Caminho, várias famílias que peregrinavam em conjunto ou, pelo menos, em parte.
Um casal de reformados galegos, que já tinham acompanhado a sua filha e agora acompanhavam o neto. Um casal de enfermeiros franceses e o seu filho, duma aparente inesgotável energia (mais do que uma vez passou por mim a correr!) e também Escuteiro, a quem tive ocasião de oferecer uma insígnia do Escutismo Católico Português que, para quem não conhece, é composta pela flor-de-lis escutista, símbolo de pureza e caminho a seguir e a Cruz de Cristo portuguesa, símbolo de fé e história.
Mas queria alongar-me com a mais fascinante: uma família numerosa, composta pelo casal dos pais e por seis filhos, de bicicleta. Ainda mais surpreendente do que o número, outrora tão comum, era o leque etário: o mais novo tinha 2 anos feitos, o mais velho 11. No meu diário de peregrinação, escrevi então que gostava de apresentar aquela família a muitos chefes de Escuteiros e mesmo a muitos animadores de jovens e pais – isto porque os miúdos estavam muito bem organizados, cada um com as suas tarefas, de acordo com a respetiva idade, naturalmente. Recordo-me de ver um dos mais novos empoleirado junto ao tanque da roupa e, preocupado com o risco do miúdo poder cair, aproximei-me. Reparei que ele estava a lavar algo e, no meu francês limitado, perguntei se precisava de ajuda e o miúdo explicou-me que algo se tinha entornado no seu bornal e era sua responsabilidade limpar. Durante o tempo em que partilhei o albergue paroquial de Bercianos del Real Camino (e tanto que havia para dizer sobre os nomes das terras que se encontram no Caminho ou perto dele…), tive várias ocasiões de reparar que os jovens eram responsáveis, bem comportados mas, ao mesmo tempo, perfeitamente normais e naturais nas suas brincadeiras enquanto que os pais manifestamente confiavam nos seus rebentos mantendo um adequado nível de supervisão.
Na manhã seguinte, já adiantado no caminho, vi esta simpática família passar nas suas bicicletas. Cada um dos pais puxava um atrelado onde ia seguro um dos infantes, tal como os dois filhos mais velhos. Os dois do meio puxavam atrelados com equipamento e o resto do mesmo ia distribuído em bornais nas bicicletas. A um ritmo adequado aos jovens, lá seguiram eles fazendo a sua peregrinação e brilhando como um exemplo de educação e do quanto é possível.
Entre o tanto que o Escutismo me ensinou, está a explicação para aquilo que descrevi aos diletos leitores: como o nosso fundador Baden-Powell sabia, na esmagadora maioria das vezes que confiamos nas crianças e jovens, eles não nos desiludem.
E nós? Sabemos, como aquelas crianças, ser dignos da confiança que Deus deposita em nós ou precisamos de supervisão constante, controladora?
E, como aqueles pais, sabemos entregar a responsabilidade para ajudar aqueles que dependem de nós a crescer? Sabemos educá-los, tirá-los do seu egoísmo e maldade naturais e ajudar a sementinha do Batismo a crescer, a tornar-se espelho da Graça? Ou, receosos de que eles sigam sem nós, mantemo-los infantilizados, julgamo-los incapazes, e vivemos por eles ou – pior ainda! – através deles?