Frontalidade

QUERUBIM SILVA
Padre. Diretor

1 – O Papa Francisco, falando aos participantes no Congresso Internacional, realizado em Roma nos primeiros dias de outubro, socorreu-se da imagem bíblica do oleiro que trabalha o barro (Jr 18.1-10), para lhes dizer que “a formação sacerdotal depende, em primeiro lugar, da ação de Deus na nossa vida e não das nossas atividades”.
Colocarmo-nos, confiadamente, nas mãos do Divino Oleiro, sabendo que Ele tem um projeto para nos dar forma. E não regateia sequer, com a ternura de Pai, se a obra não estiver a correr bem, amassar de novo e reiniciar o seu trabalho.
Serão, pois, barro nas mãos do Oleiro, para se deixarem moldar por Ele. Sem deixarem de ser, ungidos para o ministério, colaboradores do Oleiro, para servir aqueles aos quais são enviados. “O Padre forma-se fugindo quer de uma espiritualidade desencarnada e, vice versa, de um compromisso humano sem Deus.”
A pergunta que deve ecoar bem fundo, quando descemos à oficina do Oleiro deverá ser esta: “Quero ser um «padre de sala de estar», tranquilo e acomodado, ou um discípulo missionário dentro do qual arde o coração pelo Mestre e pelo Povo de Deus? Um padre que se acomoda em seu bem-estar ou um discípulo em caminho? Um padre morno, que prefere a vida tranquila, ou um profeta que desperta no coração do homem o desejo de Deus?”. Estamos no mês de outubro, o mês missionário. E vem aí a Semana dos Seminários. Bons pretextos para fazermos um exame de consciência com as palavras do Papa.

 

2 – A frontalidade anda arredada dos nossos ambientes, na sociedade civil e na própria comunidade eclesial. O “politicamente correto” tornou-se uma panaceia. E, face a um elevado grau de analfabetismo cultural e religioso, os “panos quentes” tornam-se um grave pecado de omissão.
“A caridade na verdade, que Jesus Cristo testemunhou com a sua vida terrena e sobretudo com a sua morte e ressurreição, é a força propulsora principal para o verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa e da humanidade inteira. O amor – «caritas» – é uma força extraordinária, que impele as pessoas a comprometerem-se, com coragem e generosidade, no campo da justiça e da paz.” – palavras da Carta de Bento XVI, que têm plena atualidade.
Acabámos de viver um ato eleitoral, em cuja campanha imperou o populismo cego e mentiroso. E fomos consentindo as alienações, as meias verdades, as calúnias… E, vergonhosamente, às vezes, dando a «bênção» a toda esta forma de diatribes políticas, talvez para agradecer ou merecer benesses.
“Estou ciente dos desvios e esvaziamento de sentido que a caridade não cessa de enfrentar com o risco, daí resultante, de ser mal entendida, de excluí-la da vida ética e, em todo o caso, de impedir a sua correta valorização. Nos âmbitos social, jurídico, cultural, político e económico, ou seja, nos contextos mais expostos a tal perigo, não é difícil ouvir declarar a sua irrelevância para interpretar e orientar as responsabilidades morais. Daqui a necessidade de conjugar a caridade com a verdade, não só na direção assinalada por S. Paulo da «veritas in caritate» (Ef.4,15), mas também na direção inversa e complementar da «caritas in veritate»” – continua o Bispo emérito de Roma. A autêntica caridade faz-se na verdade!