Fugas a Deus

QUERUBIM SILVA Padre. Diretor

QUERUBIM SILVA
Padre. Diretor

As homilias do Papa Francisco na Capela da Casa de Santa Marta são um manancial de interpelações à nossa quotidiana prática cristã. Ou falta dela!
Ao meditar sobre tantas iniciativas – meritórias, sem dúvida – que passam pelos nossos media, a estimular os cidadãos a que deem mais para que todos tenham mais, a propósito desta quadra natalícia, dei comigo a passar uma vista de olhos na homilia de 7 de outubro do ano de 2013. É forte e a propósito a provocação que nos deixa.
Evocando a figura de Jonas, que “reza muito e pratica o bem, mas, quando o Senhor o chama, desata a fugir”, o Santo Padre adverte-nos desse risco que todos corremos: “Pode-se fugir de Deus, mesmo sendo cristão, mesmo sendo católico, mesmo sendo da Ação Católica, mesmo sendo padre, bispo, Papa…”. E denuncia as formas “educadas” de fugir de Deus chamando à reflexão a parábola do bom Samaritano.
A saber: “um sacerdote digno, com a sua sotaina, muito bem-posto, um homem muito bom! Viu, olhou, mas «vou chegar tarde à Missa», e seguiu o seu caminho”. Fugiu a Deus, que reclamava a sua presença e atenção! Como também “um levita, que talvez tenha pensado: «Se eu me aproximar deste homem ou pegar nele, se ele estiver morto, amanhã terei de comparecer diante do juiz e de dar o meu testemunho…», e passou adiante”. Mais uma fuga a um clamor bem nítido de Deus!
O sacerdote chegou a tempo, as cerimónias começaram a horas, para contento de todos, o levita teve um dia seguinte tranquilo… Como Jonas, também tinham o seu desenho de vida que se fazia ouvir mais do que o clamor de Deus. O seu coração estava fechada, voltado sobre si mesmo. E, nessa atitude, não se ouve a voz de Deus!
Mas o samaritano, que porventura não estava habituado a práticas religiosas, nem a uma vida moral estruturada, esse não tinha um desenho de vida. “Deixou que fosse Deus a escrever a sua vida: naquela tarde, tudo mudou, porque o Senhor colocou perto dele a pessoa daquele pobre homem, ferido, gravemente ferido, caído no caminho”.
É meritório fazer uma ligação, com uma percentagem da chamada a engrossar o montante que vai ser atribuído à “caridade”, comprar no hipermercado que entrega uma percentagem a instituições, introduzir o cartão multibanco e transferir uma verba… Mas o coração pode continuar fechado, amarrado aos prévios desenhos de vida, que impedem de ouvir as interpelações surpresa de Deus apontando-nos outros desenhos.
Podemos continuar a fugir a Deus que nos pede outra coisa. É que, nos tempos em que vivemos, há carências a suprir que não o serão pela chamada de valor acrescentado, pelas compras, pelo cartão multibanco, porque são carências de presença, de atenção e carinho, de respeito e consideração…, que nos pedem sobretudo o tempo, que nos reclamam darmo-nos, mais do que dar!
O Natal não é quando o homem quiser, porque o Natal é a realidade do nascimento de Jesus Cristo. Mas dar vida ao Natal, tornar a ternura de Belém luz sensível na escuridão das noites humanas, calor reconfortante no frio gélido da solidão, azeite e vinagre curativo para tantas feridas psíquicas, morais e espirituais, isso sim, é quando cada um de nós quiser acolher os apelos do Deus, que clama nessas pessoas caídas nos caminhos da vida!