Apareceu há dias na Catedral de Aveiro uma frase que, escrita sobre a parede, pretendia ser um recado, talvez um insulto, um grito de revolta ou o fanatismo de alguém ligado a uma seita ou movimento anticristão. Dizia que “a única igreja que ilumina é a que arde”. Nos dias de hoje, já nada nos choca. Acho que já vimos tanto, com o 11 de Setembro, o extermínio de povos, guerras, ao longo da nossa vida contemporânea, que essas coisas são, de mal, o menos.
Sujaram a parede. Não deixaram eco. Mas fez-me recordar uma outra frase dita por alguém, um dia: “Se a Igreja não arder de Amor, o mundo morrerá de frio”. A Igreja sempre foi algo de muito importante na história da humanidade, desde que Constantino a colocou como religião única do seu império. Os papas e os imperadores cristãos foram substituindo os romanos e imitaram-nos na forma de governo, de vestir, de construir, de reinar. E também, muitos, nas intrigas e maldades que nunca deixaram as cortes romanas, bizantinas e vaticanas, até aos dias de hoje.
Matar alguém, mesmo por parte de uma instituição que foi criada para o Amor, se for necessário para afirmar sua presença e continuidade, mata-se… O “mea culpa” de João Paulo II no ano 2000 sublinhou as páginas negras que não quisemos assumir na nossa história.
O livro que acabei de ler, “Francisco, os jesuítas e os pecados da Igreja”, mostra bem essa realidade, e quero crer que é objetivo nas afirmações que faz. Por isso, muitas das reações mundiais contra a Igreja são ecos de atitudes que se cristalizaram na história subconsciente dos povos e, apesar de haver tanta coisa linda para se ter em conta, o mal praticado prevalece na consciência popular. Mas o Espírito Santo não dorme nem desiste da Igreja nem de nós.
Nós somos Igreja e muitas coisas erradas praticamos na nossa vida. Ouvi, há dias, numa ultreia maravilhosa, em Gijon, Espanha, que não nos devemos esquecer que os embaixadores da Igreja somos nós, os batizados, no nosso dia a dia. Nós mostramos o rosto da Igreja. As pessoas julgarão a Igreja não pelas decisões do Vaticano, soberbamente distorcidas pelos meios de comunicação social de todo o mundo, mas pelo que o católico vizinho ou colega de trabalho fizer. Como eu me comportar, assim verá a Igreja aquele que não faz parte dela, e talvez procura entrar nela. Por isso, aquela frase escrita na parede da nossa catedral bem pode servir de mote para um ano jubilar que terminou… E eu a colocaria como lema do Novo Ano Pastoral: “A Igreja que ilumina é a que arde… de Amor!”
Vamos arder de Amor. Vamos arder de fé. Vamos arder de dedicação e solidariedade. Vamos arder pelos dons do Espírito Santo. Vamos arder de esperança. Vamos arder de confiança, de pureza, de honestidade, de fortaleza, de amor por Deus e pela oração. Vamos consumir-nos no fogo da adoração eucarística diocesana. Vamos arder na festa de cada época, nos nossos cursos de formação, na renúncia a nós mesmos, nos nossos serviços de caridade, no amor pelo nosso presbitério e pelo nosso bispo, a ponto de sermos Igreja que se relaciona na riqueza da comunidade.
Se não ardermos, o mundo morrerá de frio, de sede, de inanição. Morrerá a esperança, a luta pela vida melhor, a certeza da eternidade. Deve mover-nos o amor a Deus em Jesus Cristo, a Maria, nossa Mãe querida, aos nossos amigos, os santos e os anjos. Amor sem aceção de pessoas, por todos os homens.
Arde, Igreja de Aveiro. Ilumina como luz colocada sobre o candelabro. E que todos descubram, nas sombras e dúvidas de cada um, que não só a luz, mas o calor da vida está nesta Igreja que tem por guia da nossa fé Aquele que um dia disse: “EU SOU A LUZ DO MUNDO!”
Vitor Espadilha