A inquietação é legítima. Os meios de comunicação social colocaram as questões nesse patamar: a assembleia extraordinária do Sínodo sobre a Família foi uma luta de fações dentro da Igreja; vencedores e vencidos podem tornar-se protagonistas de um cisma? E continua a tendência da mesma comunicação para “isolar” o Papa Francisco, colocando nas suas mãos a expressão da misericórdia do Pai, para se opor e suprir a frieza e indiferença da assembleia em relação às feridas da Família.
A revolução do Bispo de Roma é silenciosa. Não é subversiva, mas é tão profunda, estimulando todos os crentes às “entranhas de misericórdia”, que não dá suporte a divisões, mas à conversão do coração. O seu quotidiano não se reveste de máscaras. Os passos firmes que dá no caminho da “saída” ao encontro de todas as periferias são fruto de uma coerência de vida, de uma história pessoal e institucional que nos deixam tranquilos. A sua marcha é ao invés da “mundanização da Igreja”; é em busca de uma identificação cada vez mais visível com o Coração de Cristo.
Quando nos diz que a experiência sinodal foi um caminho gratificante, di-lo com toda a propriedade e convicção. De facto, os Padres Sinodais acolheram o seu apelo, no sentido de não virem a Roma para lhe dizerem coisas bonitas e agradáveis, mas sim a realidade dolorosa da sua vida pastoral no que à Família diz respeito. O aprofundamento e a purificação da doutrina sobre o Matrimónio e a Família, bebida na Sagrada Escritura e vivida na história dinâmica da Igreja, fez-se iluminação sobre os meandros de um quotidiano humano atual cheio de recantos sombrios, enigmáticos, dolorosos, que precisam de ser encarados e aos quais se deve propor o caminho carinhoso de aproximação à Luz plena.
Coincidiu o encerramento desta assembleia com a beatificação de Paulo VI. Feliz coincidência, já que este Papa se encontrou com encruzilhadas verdadeiramente surpreendentes da Humanidade e da Igreja, diante das quais tomou decisões firmes e serenas: a alteração de séculos de liturgia, uma consciência de Igreja de retorno à pureza original, com incidências no interior das Comunidades – sinodalidade, Igreja comunhão orgânica do Povo de Deus… – e na sua relação com o Mundo.
Foi Paulo VI que, dando corpo aos documentos do Vaticano II, instituiu o Sínodo dos Bispos, desenhou as estruturas de diálogo ecuménico e inter-religioso, a relação institucional com o mundo da cultura… Foi o primeiro que saiu do Vaticano ao encontro dos cinco continentes, que abraçou o Patriarca Atenágoras, que discursou na ONU em favor da Paz, que viajou até à Índia ao encontro dos pobres, em favor de quem abdicou da tiara papal, que proclamou em África a inculturação do cristianismo como caminho de verdadeira evangelização…
Inteligência superior, místico do instante, filial devoto de Maria, firme, sereno e misericordioso nas decisões, sóbrio nas propostas que fez aos cristãos e ao mundo, deixou um rasto de bem aventurança para a Igreja e para o Mundo. E Francisco bebe precisamente nesta herança de Paulo VI o que nos diz solenemente, caldeado pela sua peculiar experiência de Pastor.