Jesus, mau treinador?

QUERUBIM SILVA Padre. Diretor

QUERUBIM SILVA
Padre. Diretor

O texto do P. Gonçalo Portocarrera, de tonalidade jocosa, é de uma profundidade inexcedível. Assenta, como luva de pelica, em tudo o que tem sido o sonho e o agir pastoral do Papa Francisco, nas suas palavras e nos seus gestos quotidianos. Tomo apenas o último parágrafo desse belo escrito, para partilhar com os leitores os meus pensamentos desta semana.
“Não, decididamente Jesus não foi um bom treinador. A equipa que ele formou era, a todos os títulos, lamentável. Ninguém contrata jogadores tão fracos como aqueles que o Mister de Nazaré, consciente e voluntariamente, escolheu. Porque o fez?! Talvez para que ninguém se sinta, por aselha que seja, indigno desta equipa, a Igreja, para a qual ele chama todos os homens e mulheres, garantindo a todos os que nela perseverarem por amor, a vitória final.” – são as palavras do colega, que desenvolveu as suas ideias sobre um subtil fio condutor recolhido das diatribes do futebol, sob o título “O «mister» Jesus, um mau treinador”…
No Angelus do passado domingo, o Papa Francisco, comentando as parábolas do evangelho do dia, chamava a atenção para os fundamentos da confiança dos fiéis, muito para além das suas forças. “A semente lançada à terra, germina e desenvolve-se, quer o agricultor durma, quer esteja vigilante (…) Deus confiou a sua Palavra á nossa terra, isto é, a cada um de nós com a nossa humanidade concreta. … É sempre Deus que faz crescer o seu reino… é Ele que o faz crescer, o homem é o seu humilde colaborador, que contempla e se alegra com a divina ação criadora e dela espera com paciência os frutos”.
Isto não é um incitamento à preguiça apostólica. Pelo contrário: é o convite à humildade realista do que somos, com qualidades e defeitos, para darmos o que somos capazes de dar, estribados na certeza do vigor da semente e da ação divina, que constituem as razões da nossa esperança e do nosso compromisso na construção da história.
O segredo da heroicidade dos pobres na ousadia de difundir a Alegria do Evangelho, brota desta intimidade contínua com a Palavra de Deus. “Aqui desejo recordar-vos outra vez a importância de ter o Evangelho, a Bíblia, à mão – o Evangelho pequenino, na carteira, no bolso – e de se alimentar diariamente com esta Palavra viva de Deus… Nunca esquecer isto, por favor! Porque esta é a força que faz germinar em nós a vida do Reino de Deus” – prossegue Francisco.
Comentando a parábola do grão de mostarda, o Bispo de Roma diz vigorosamente: “É assim o reino de Deus – uma realidade humanamente pequena e aparentemente irrelevante. Para aí entrar e dele fazer parte é preciso: ser pobre de coração; não confiar nas próprias capacidades, mas no poder do amor de Deus; não agir para ser importante aos olhos do mundo, mas precioso aos olhos de Deus, que tem predileção pelos simples e humildes. Quando procedemos deste modo, irrompe através de nós a força de Cristo e transforma o que é pequeno e modesto numa realidade que fermenta toda a massa do mundo e da história”.
É verdade: o Reino de Deus reclama a nossa colaboração; mas germina e cresce como dom e por ação do Espírito Santo. O “mister” Jesus não escolheu uma seleção de vedetas. Diríamos que foi mau treinador na escolha. Mas preferiu os fracos para confundir os fortes. E o resultado aí está, a perdurar pelos séculos! Deixemo-nos de peneiras!