Quem salva uma vida…

Desde que nascemos, temos acompanhado conflitos mundiais com maior ou menor importância. A minha geração viveu notícias do Vietname, da guerra do Ultramar, da Bósnia, Malvinas, El Salvador, Afeganistão, Irão, Iraque e Golfo, Palestina e Israel… e parece que a sombra das duas guerras do séc. XX, ditas mundiais, não deixa de se alastrar pelo mundo, fazendo-nos temer algo de tal proporção que faça o Apocalipse, afinal, ser uma profecia do futuro. Para além disso, a maldade humana tem requintes de crueldade e vamo-nos surpreendendo, a cada dia que passa, com notícias de terror que atingem esta ou aquela pessoa, esta ou aquela família. Há países onde o facto de sair a rua já é ato heroico.
Há dias fui visitado por um amigo da Venezuela, psiquiatra e médico de renome, que me ajudou a ver muitas coisas. Disse que as pessoas não são boas por natureza. Basta ver que nas crianças há egoísmo, chantagem, birras… O tema do pecado original tem o seu lugar na explicação do ser humano. E o facto de a Bíblia dizer que as criaturas gemem a dor da libertação faz-nos entender que a ação pecaminosa do homem tem consequências pessoais, comunitárias e sociais por si enquanto ações. Mas, misticamente, também atingem o cosmos e alteram a ordem estabelecida por Deus.
O homem é um microcosmos. A sua ação atinge todo o universo. Por isso, os profetas sonhavam com o regresso da harmonia cósmica, em que o leão e a ovelha comem feno e a criança brinca junto do buraco da cobra. Essa ideia, projetada no Messias, realizou-a Jesus quando reconciliou com o Pai todo o universo.
Aquele meu amigo psiquiatra dizia-me que a tarefa do homem no mundo é fazer com que o bem triunfe. Como mostrava a parábola do trigo e do joio que ouvimos no Domingo XVI, os dois estão semeados no nosso coração, mas só um tem de triunfar: o trigo…
Que o homem seja mau, Jesus já o dizia ao afirmar que, se um filho pede peixe, o pai não lhe dará um escorpião… se os maus, que somos, sabemos dar coisas boas aos nossos filhos, quanto mais o Pai do Céu. Noutra ocasião disse que “só Deus é bom”. E S. Paulo queixava-se que não fazia o bem que queria, mas o mal que não devia… Sentimos esta luta dentro de nós. Luta pessoal e cósmica. Somos elementos da natureza criada. As nossas ações não são indiferentes ao destino do mundo.
Ouvirmos notícias de mortes de seres humanos, assassinados às centenas, em Gaza ou nos aviões, nas ruas e nas grandes cidades… como a notícia dos campos de concentração, que nos comove, mas cuja lição nem os judeus aprenderam. De lá veio a frase “Quem salva uma vida, salva o mundo inteiro”. A frase tem todo o sentido neste contexto de reflexão e neste estado do mundo.
Não posso fazer muito pelo mundo porque não posso ir a Gaza para fazer a paz? Como dizia Teresa de Calcutá, ser uma gota no oceano já é ser algo de bom. Então, salva a vida que está do teu lado… o vizinho pobre, o velhinho sem amor, o filho sem atenções, a esposa que não sabe há tanto tempo o que é ser amada, o paroquiano que bate na porta do teu cartório, o teu aluno carente, o teu colega de trabalho, o amigo esquecido ou ingrato…
Espalha sorrisos, abraços, amor, vida… Pinta as cores da vida nos muros que nos separam. Destruamos a cultura da morte. Acreditamos no Deus da Vida. E a Vida se manifestou, habita em nós. E cada um de nós tem o mundo em suas mãos… para o encher de alegria! A de Cristo, que veio semear uma eterna primavera nos nossos corações.

Vitor Espadilha