Política “medieval”

Questões Sociais 1. No artigo anterior foi assinalado que a política social de hoje mantém algumas características do sec. XIX. Tais características têm-na impedido de se adaptar aos problemas actuais e de ser efectivamente justa.

Mas, por outro lado, a política social preserva também características da Idade Média. Sobretudo as características que, desde o século XIX, vêm sendo contestadas pela generalidade das forças políticas e pelo pensamento dominante. No fundo – e como se sabe há muito – as revoluções precipitadas acabam, não raro, por manter, com nomes diferentes, aquilo que pretendiam alterar. No caso particular da contestação da Idade Média, foram mesmo rejeitados aspectos positivos da sua acção social – como, por exemplo, o voluntariado de proximidade – e mantiveram-se aspectos não positivos, como por exemplo a insuficiência de direitos e de desenvolvimento.

Os aspectos não positivos até se compreendem, situados na época medieval. Custa, porém, a admitir que ainda se mantenham nos dias de hoje. Os progressos realizados nos séculos XIX e XX foram enormíssimos; pena é que subsistam insuficiências ancestrais.

2. Os direitos sociais continuam muito aquém das expectativas surgidas com a sua proclamação. Limitando-nos ao caso português, podemos afirmar que muitas pessoas (em especial as mais dependentes) continuam a ter um quadro de direitos sociais reduzidíssimo ou praticamente nulo. E também não se encontrou maneira de garantir, a cada pessoa e família pobres, condições mínimas de subsistência, começando pela garantia de não passarem fome. O nosso direito, a prática social e as forças políticas e intelectuais nunca enveredaram pela caracterização e pela garantia da subsistência humana; pretenderam sempre mais e, desse modo, acabaram por defender quem mais possui, reforçando a marginalização de quem, praticamente, não possui nada.

3. Outro falhanço chocante da modernidade e da contemporaneidade é o que respeita ao desenvolvimento integral ou harmónico. Apesar dos notórios avanços em termos de desenvolvimento económico e noutras dimensões, não se evitaram gravíssimos desequilíbrios e injustiças, com reflexos inadmissíveis no domínio social.

Até se observa que alguns projectos de desenvolvimento local e de luta contra a pobreza se saldaram, afinal, por uma espécie de neo-assistencialismo, na medida em que só vigoraram enquanto beneficiaram de apoio financeiro externo…