Proclamação da Palavra e acontecimento sacramental (5)

Notas Litúrgicas 5. A Palavra de Deus é eficaz

Desta forma, ao mesmo tempo que aprofunda os motivos da sua Eucaristia e percebe melhor a autêntica natureza da vida-em-graça, a assembleia descobre, cada vez com mais clareza, o verdadeiro rosto do seu Deus. Não de uma forma abstracta ou teórica – perigo de toda a catequese extra-litúrgica –, mas em união imediata com o acto em que se realiza aqui e agora a sua própria Salvação. No próprio momento em que, pelo Memorial da Páscoa, o poder do Amor divino a alcança, a Igreja local recorda, no Espírito Santo, as palavras inspiradas que lhe revelam o seu Deus. Isto corresponde à lei normal da economia da Salvação: não se dá a conhecer aos seus senão pelas suas obras de graça, e a Redenção pode descrever-se como a acção santificante de Deus traduzida, iluminada, tornada inteligível, pelas palavras que transmitem a Boa Nova. O rosto de Deus desenha-se em filigrana no tecido da sua acção. As Palavras da Escritura não fazem outra coisa senão decifrar esses traços. Certamente, lida e meditada no silêncio ou celebrada fora do sacramento — este não é o caso do Ofício Divino, sempre unido de alguma forma à Eucaristia —, a Palavra de Deus possui uma eficacidade que seria muito grave pô-la na obscuridade (cf. O. Semmelroth, Parole efficace, Paris 1963). Com efeito, no momemto em que é proclamada na comunidade dos crentes, em união estreita com o Memorial do Acontecimento, no qual culmina a obra de Deus, adquire, sem dúvida alguma, uma eficácia nova e reencontra a sua verdadeira natureza. Volta a ser Palavra do Acontecimento, aquela Palavra que brota de uma experiência de Salvação vivida aqui e agora. Não é, pois, somente a Palavra conservada nos Livros santos, mas a Palavra viva dita ao Povo no momento em que Deus o santifica.

Note-se que isto demonstra porque é que, por osmose de ritos sacramentais e palavras da Escritura, a celebração eucarística é, em sentido forte, para cada crente, um acontecimento-da-fé. Não somente, de facto, pressupõe a fé e a proclama, mas também, ao aprofundá-la, a faz crescer e a dilata. Salientámos que este aprofundamento se opera numa verdadeira experiência de Salvação. Entrando em comunhão com o Acontecimento pascal, o fiel percebe, cada vez melhor, quem é o Deus e Pai de Jesus. Nós já não nos encontramos aqui no campo de uma explicação intelectual do conteúdo da fé, pela recordação dos mistérios de Jesus ou dos textos apostólicos. Trata-se de um conhecimento verdadeiramente existencial d’Aquele que aqui e agora se experimenta na acção e do qual se compreende então a qualidade de Pai.

Evidentemente, a Palavra de Deus à qual fazemos sobretudo alusão é a Palavra proclamada, a que vem imediatamente dos Livros e se lê solenemente na assembleia eucarística. Porque, antes de toda a adaptação e de todo o ensaio de transposição, é necessário que o próprio texto sagrado seja dito aos crentes. Como tal tem valor de norma e ninguém, mesmo que seja um ministro, tem o direito de desvirtuar, de eliminar parte ou de introduzir as suas selecções pessoais. Mas, é claro, que será necessário ainda traduzir este texto em função da situação real da assembleia, dos esquemas de pensamento e de linguagem de hoje. Esta missão delicada é própria da homilia, e sem ela a proclamação da Escritura não chegará a conseguir o seu pleno efeito. Palavra de Deus já inscrita nos próprios ritos, Palavra das Escrituras proclamada à comunidade eucarística e Palavra de Deus proposta na homilia compenetram-se uma e outra e não formam mais que um único mistério, no qual se realiza a acção do Espírito de Deus.

SDPL