Simone Weil, a mística que ficou à porta da Igreja

Vidas que marcam Teria completado cem anos no dia 3 de Fevereiro passado, mas morreu jovem, com 34 anos. Simone Adolphine Weil (Paris, 3 de Fevereiro de 1909 – Ashford, 24 de Agosto de 1943) é a mística cristã que não chegou a ser baptizada, a revolucionária que não acreditava no fascismo nem no comunismo, a convertida que quis ficar no escuro da porta do farol (“À porta do farol faz escuro” é o título que reúne em português alguns dos seus poemas, ed. Apostolado de Oração), a filósofa que achava que a reflexão só vale para melhorar a acção (as suas “Obras completas” perfazem oito volumes).

Simone Weil nasceu numa família judia, em França, mas teve educação agnóstica. Na crónica semanal no Diário de Notícias, o P.e Anselmo Borges recordou recentemente episódios da vida deste espírito inquieto (DN 31-01-2009). Com apenas 11 anos, participa em manifestações dos grevistas parisienses. Mais tarde torna-se operária da Renault para compreender o quotidiano das fábricas. Ainda Anselmo Borges: “Simone de Beauvoir refere nas suas «Memórias» um encontro na Sorbonne: Weil jura apenas pela Revolução que «daria de comer a toda a gente» e a Beauvoir, que sustenta que o verdadeiro problema é o de «encontrar um sentido para a existência», replica: «Vê-se bem que nunca passaste fome!»”

Na busca interminável de Simone Weil teve importância uma passagem por Portugal. Em 1935, na Póvoa do Varzim, assistiu a uma procissão de velas de mulheres de pescadores e ficou abismada com os cânticos populares. “É então que ela recebe uma luz que a guiará até ao fim dos seus dias: dá-se conta de que a religião de Cristo crucificado é, não pode deixar de ser, a religião universal de todos os homens e mulheres, de todos os tempos e condições, marcados pela brasa da desventura, da desgraça do «malheur» (que o nosso vocábulo «infelicidade» não consegue exprimir)”, escreve José M. Pacheco Gonçalves na apresentação da obra “Espera de Deus” (ed. Assírio&Alvim).

Simone Weil morre em 1943, na Inglaterra, para onde tinha emigrado (após uma estadia nos EUA), para se juntar à resistência francesa. Afectada por uma tuberculose, morre de fome, num sanatório, por solidariedade para com os france-ses em guerra. Não chegou a ser baptizada, apesar dos esforços do P.e Joseph-Marie Perrin. Sentia-se “cristã fora da Igreja”. Tolentino Mendonça, no prefácio de um outro livro (“Os imperdoáveis”, de Cristina Campo), escreve: “Equivocou-se, no fundo, o Padre Perrin, mestre espiritual da Simone, que lhe concedeu o máximo e lhe pediu o mínimo. «Posso baptizar-te mesmo assim», disse a Simone Weil o Padre Perrin e, inevitavelmente, Simone Weil deu um passo atrás. Um mais profundo e rigoroso teólogo ter-lhe-ia simplesmente negado o baptismo sem tentar nem as conciliações nem o pathos. E Simone Weil teria, provavelmente, caído de joelhos»”.

J.P.F.

Bom porto

“Aquilo a que chamo bom porto é, como sabe, a cruz. Se não é possível que me seja dado merecer participar, um dia, na de Cristo, que o seja ao menos na do bom ladrão. De todos os seres de que se fala no Evangelho para além de Cristo, o bom ladrão é, de longe, o que mais invejo. Ter estado ao lado de Cristo e nas mesmas condições, durante a crucifixão, parece-me um privilégio muito mais invejável do que o de estar à sua direita na sua glória”.

Simone Weil, excerto de uma carta ao P.e Perrin, in “Espera de Deus” (ed Assírio& Alvim)