Sobrevivi

Poço de Jacob – 140 Seu nome é Imaculada. Também é conhecida como a Anne Frank do Ruanda. O Ruanda é um país do centro de Africa. Aí apareceu Nossa Senhora em 1981. A aparição foi aprovada pela Igreja. As três videntes tiveram destinos diversos. O Ruanda também é habitado por três etnias diferentes, sendo as mais importantes os hútus e os tutsis. A guerra entre os dois povos promoveu vários genocídios no século XX, sendo o último em 1994, com um milhão de mortos. O povo é predominantemente católico, pelo menos nos tutsis.

Immaculée Ilibagiza é sobrevivente deste último genocídio e anda pelo mundo a dar o testemunho, não da sobrevivência, o que é penoso quando se perde toda a família e amigos, mas da fé católica que a animou a sobreviver, fechada numa casa de banho durante três meses com outras seis mulheres sem se poderem quase mover, comer, lavar-se, falar… Um pastor protestante hútu escondeu-as por amor ao Evangelho, pondo em risco a sua vida. A narração do livro, que está à venda nas livrarias de Portugal, é incrivelmente cativante. É difícil fechar o livro para continuar a ler mais tarde, e dá pena ter terminado a leitura. Cativa-nos o modo como ela vai contando como era a sua vida familiar e o amor que residia naquele lar, além de uma fé intensa, esclarecida e transbordante de caridade para com os demais. Gente formada, de certo modo, bem na vida, séria, honesta, lutadora, unida… uma família magnífica, que também tinha os defeitos que a própria não se coíbe de contar.

Quando estala a revolta que levou ao genocídio, todos foram apanhados de surpresa e os seus pais e irmãos morreram cortados pelas catanas dos revoltosos. Imaculada sobrevive porque o pai a manda para a casa do pastor da aldeia, visto que nas igrejas as pessoas também não estavam protegidas, por vezes nem pelos próprios sacerdotes. O pastor esconde seis ou sete mulheres na casa de banho do seu quarto, num espaço tão pequeno que parecia impossível ali poder viver uma pessoa, quanto mais meia dúzia. Em absoluto silêncio, comendo escassamente, ao ponto de pesar uns 25 kg quando consegue a liberdade.

A beleza do livro, para além da narração, faz lembrar uma não sobrevivente do holocausto nazi que foi Etty Hilesum. Imaculada descobriu que havia naquela casa de banho um espaço de horizontes infinitos e o tempo ali não contava. Era o espaço secreto do seu coração habitado por Deus. Ali, de rosário na mão e com a Bíblia, viveu três meses praticamente sem se poder mover, rezando e convivendo com o Senhor. A sua experiência é reconfortante, diante das amarguras da nossa vida tão insignificante em comparação com o genocídio de um povo. O sentido da presença de Deus, da morte que não é o fim mas um belo princípio ainda que vítima de um genocídio, do estar num mundo com um fim que Deus sabe qual é, de não desistir de lutar nem de perder os princípios, ainda que isso leve à morte, da relatividade das coisas e momentos e a certeza de um céu que nos espera envolvem o leitor e ajudam-nos a ver o amanhã com olhar de esperança, ainda que a tempestade nos aniquile.

Li e saí renovado. Um retiro que Imaculada pregou para mim. Força para seguir em frente. Desejo de que tudo acabe bem: nos braços amorosos do Pai Deus.

Recomendo. Leiam. Deliciem-se. Partilhem Imaculada com os amigos e estaremos a ajudar muita gente a superar a crise… Que Deus abençoe Imaculada Ilibagiza!

Vitor Espadilha