Zé Penicheiro retrata a terra que adoptou

Um artista enamorado pelo mar e pela ria Zé Penicheiro é um artista que pinta Aveiro e a sua ria, e que escolheu esta região como terra adoptiva. A vivência de Zé Penicheiro na região aveirense é marcada por três etapas: a primeira, entre 1952 e 1962, quando residiu em Ovar; a segunda, na década de 70 do século passado, quando viveu em Aveiro. A terceira, iniciada há pouco mais de seis anos, quando fixou residência na Costa Nova e, desde há três anos, novamente na cidade de Aveiro.

A água – mar e ria – é uma constante na pintura que Zé Penicheiro cria em Aveiro. A água “é transparência. Isso significa que a transparência se traduz na minha pintura. Toda a minha pintura tem água, do mar ou da ria, da qual eu me enamorei e continuo a me enamorar. A minha obra está aqui transbordante de sensações, porque esta área de água dá-me um apetite para a pintura, um sabor para o espírito e, portanto, captou em mim um sentimento e um desejo de vir novamente para uma cidade de que gosto”.

O artista reconhece que há quem o aponte como um pintor da ria, devido às obras que deixou em colecções particulares, que devem ultrapassar meio milhar, e que falam da ria, e também porque “em qualquer exposição que faça, seja em Portugal ou no estrangeiro, o quadro da ria, com o seu ex-libris que é o barco moliceiro, está sempre presente”, referiu.

Ao transpor a ria para a tela, Zé Penicheiro fá-lo de uma maneira muito própria. Como ele diz, “não é o realismo comum, mas é uma interpretação muito pessoal. Aliás, toda a minha pintura se integra numa interpretação e num estilo muito pessoal. Não são necessários pormenores que se podem evitar, mas o que é necessário é sempre a cor, a cor-composição, a cor-linha, que tanto define o azul do céu (que nem sempre é azul), como o barco moliceiro, nas suas linhas mais estilizadas, a quem eu trato por tu devido aos muitos trabalhos que já fiz. Portanto, é uma pintura muito especial, muito minha e muito pessoal”.

Da caricatura a pintor de renome

O percurso artístico de Zé Penicheiro é “muito extenso e muito completo”. Começou como caricaturista, colabo-rando na página «humor nacional», do jornal O Primeiro de Janeiro, nos anos quarenta do século XX. “Os primeiros bonecos foram publicados nesse jornal e foi com eles que recebi os primeiros cinquenta escudos. Depois, a colaboração estendeu-se a outros jornais, como o Sempre Fixe e Os Ridículos. Agora, que se fala muito em futebol, há muita gente que ignora que eu fui talvez o primeiro caricaturista do jornal A Bola. Depois foi o cartoon, até à fase da publicidade criativa, à qual estive ligado durante vinte e seis anos, e à pintura, o que aconteceu há cerca de cinquenta anos”, sublinhou. Ainda hoje, a par da pintura, o artista continua a dedicar alguma atenção ao desenho, à caricatura e ao cartoon.

Durante anos, o artista conciliou a pintura com a publicidade criativa, “desde a criação de logotipos até a concepção de stands para feiras nacionais e internacionais. Aveiro foi o último reduto dessa fase em que fiz publicidade criativa”.

Foi em Aveiro que, há pouco mais de trinta anos, o artista instalou no seu último ateliê publicitário — Estúdio Nave — uma galeria de arte, a que deu o nome de Convés, a qual “atingiu uma certa reputação, num tempo em que entrar numa galeria era quase tabu”, disse. Foi também em Aveiro que fez uma exposição de rua, junto aos Arcos, em que participaram cerca de três dezenas de artistas e que foi um êxito.

“Nesses anos em que estive em Aveiro, ainda ligado à publicidade, a pintura continuou sempre dentro de mim e a paixão por esta paisagem da ria foi-me captando ainda mais para a arte”, afirmou.

Nessa altura, fazer arte “era uma aventura”, facto que contribuiu para que Zé Penicheiro fosse um dos fundadores e impulsionadores do Grupo Aveiro – Arte.

Sobre os apoios aos artistas aveirenses, diz desconhecer se existem, mas pensa que não há. “A câmara até deverá encerrar a galeria municipal, que era um ex-libris da cidade”, disse Zé Penicheiro. Em contrapartida, “o público adere e compra porque tem mais sensibilidade e já dis-tingue o trigo do joio”, garantiu ao Correio do Vouga.

“Quando pensam comprar arte já conhecem a obra e a assinatura do pintor, embora reconheça que há fases de crise em que as obras são menos vendáveis. Na fase actual, tenho tido sempre público para a minha obra e vou conseguindo viver dela, o que é muito importante”, sublinhou o nosso entrevistado.

Notas biográficas

Zé Penicheiro nasceu em Candosa (concelho de Tábua), mas foi na Figueira da Foz que passou a infância e juventude.

Em 1948, criou um tipo original de bonecos em madeira, que denominou «caricaturas em volume», tendo realizado, no ano seguinte, no Casino Peninsular, a primeira exposição com essas criações, a qual teve enorme sucesso, motivo pelo que expôs, nos anos seguintes, em Lisboa, Porto, Coimbra e Funchal.

No ano de 1952 vem para Ovar, para trabalhar para o sector publicitário, época em que começou a colaborar com o carnaval vareiro, do qual foi um dos impulsionadores. Nesse ano iniciou a colaboração com o jornal aveirense «Litoral».

A pintura ganha mais peso na vida de Zé Penicheiro a partir de 1955. Desde então, expôs individualmente em inúmeras terras portuguesas e no estrangeiro (Alemanha, Brasil, Canadá, Espanha, França e Luxemburgo).

A obra deste artista está representada em museus da Figueira da Foz, Lisboa, Porto, Santarém, Tomar, entre outros.