Abr 13, 2020 | Comissão Episcopal, Documentos, Mensagens
Ao darmos início à Semana Santa, dirigimos uma palavra a todas as pessoas especialmente envolvidas na Pastoral Social.
Na circunstância em que nos encontramos, resultante da pandemia do coronavírus que provoca a doença Covid-19, as celebrações da Páscoa irão acontecer privadamente sem as assembleias de fiéis, como é habitual. Estamos certos de que ninguém ficará fora das intenções de oração que serão feitas nestes dias, como já vem acontecendo.
Queremos, agora, salientar, valorizar e agradecer o esforço demonstrado por muitas pessoas, profissionais e voluntárias nas Instituições de Solidariedade Social, nas Misericórdias, Cáritas, Vicentinos e outros grupos sócio caritativos. Sublinhamos o redobrado esforço das Instituições Sociais que, com menos colaboradores, conseguiram assegurar a distribuição de refeições ao domicílio, aos utentes que antes apoiavam em Centro de Dia.
Sublinhamos, também, o esforço das Cáritas Paroquiais, Conferências Vicentinas e outros grupos sócio caritativos das paróquias, normalmente assegurados por voluntários/as, pessoas reformadas aconselhadas, nesta altura, a resguardarem-se. Mesmo assim, estes organismos mantiveram o apoio a pessoas e famílias necessitadas, socorrendo-se da ajuda das Autarquias e de pessoas mais jovens, onde se contaram, também, escuteiros católicos.
Salientamos, com elevado apreço, o desempenho da missão assumida pelos autarcas. Muitos Presidentes de Câmaras Municipais e Presidentes de Juntas de Freguesia assumiram pessoalmente a coordenação de assistência social das suas respetivas áreas geográficas, para que nenhuma pessoa ficasse sem o apoio necessário.
Registamos, ainda, e com gratidão, o testemunho dos médicos e enfermeiros, onde também se encontram católicos, na sua entrega a cuidar da saúde das pessoas nos hospitais, noutras instâncias de saúde e nos Lares de pessoas idosas. Sabemos também que os padres Capelães dos Hospitais e Capelães dos Estabelecimentos Prisionais estão a assegurar a assistência possível de acordo com a circunstância e prudência aconselhada.
Finalmente, informamos que já começaram a aparecer nas Dioceses sinais de dificuldade económica, por parte de algumas famílias, como efeito social da Pandemia. Neste sentido, contamos com a Cáritas e outras Instituições da Igreja para uma resposta organizada ao aumento de dificuldades sociais que se adivinham.
A celebração do Tríduo Pascal é o centro anual das celebrações litúrgicas da Igreja. Mas a ação caritativa da Pastoral Social não é um apêndice, faz parte da “natureza íntima da Igreja” (Papa Bento XVI). Por isso, com os condicionalismos previstos, celebraremos a Páscoa, não esquecendo os migrantes, as pessoas com deficiência, os doentes, os pobres, as famílias enlutadas e todos os que estão envolvidos na Pastoral Social.
Deus abençoe todas as pessoas envolvidas na resposta ao efeito da Pandemia.
Santarém, 04 de abril de 2020
+ José Traquina,
presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana
Mar 25, 2020 | Artigo, Documentos
Nota da Comissão Nacional Justiça e Paz
«Somos ondas do mesmo mar, folhas da mesma árvore, flores do mesmo jard
im» – frases que acompanharam a recente oferta de máscaras protetoras da China à Itália
Foi o mundo inteiro surpreendido pela difusão do vírus Covid-19 a uma escala que muitos considerariam inimaginável nos tempos de hoje, de tão benéficos progressos científicos. Parecemos regressados a outros tempos, os das pestes medievais ou das epidemias de há cem anos. Este facto faz-nos refletir na ilusão a que nos conduz o excesso de confiança nas capacidades humanas e na ciência. O ser humano continua a ser vulnerável diante da doença e da morte e deve reconhecer humildemente essa sua vulnerabilidade.
Mas outras importantes lições se podem colher deste surpreendente fenómeno.
A necessidade de reduzir a mobilidade para prevenir e evitar a difusão do vírus faz-nos descobrir como muitas das nossas deslocações (desde logo, as aéreas) não são verdadeiramente indispensáveis, ou mesmo necessárias. Distinguir o necessário do supérfluo é algo de salutar, não só para este efeito sanitário, mas para outros, como o da salvaguarda do ambiente.
Diante desta pandemia, gostaríamos de destacar, sobretudo, o que ela representa como desafio à solidariedade social. Só nesse espírito ela poderá ser vencida.
A solidariedade é, na visão da doutrina social da Igreja, «a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum, ou seja, pelo bem de todos e de cada um, porque todos somos verdadeiramente responsáveis por todos» (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 193).
Uma pandemia faz correr o risco de ver no outro uma ameaça, alguém que nos pode contaminar. Há o risco de que prevaleça a mentalidade do “salve-se quem puder”, ou “cada um por si”. Também há o perigo do reforço da xenofobia, quando se encara o estrangeiro como potencial transmissor.
Pelo contrário, o combate à pandemia exige uma consciência mais apurada do bem comum. Só unidos poderemos superar o desafio.
Dizem os especialistas (e revela-o a experiência dos países mais gravemente atingidos) que o coronavírus não causa na maioria das pessoas infetadas, individualmente consideradas, danos acentuados, mas o seu maior perigo situa-se numa perspetiva comunitária, de saúde pública: pela sua rápida difusão, por atingir grupos particularmente vulneráveis e por exigir dos serviços de saúde recursos que poderão superar as suas disponibilidades (como se está a verificar em Itália)
Impõe-se, por isso, superar uma mentalidade individualista. Não há que pensar apenas nos perigos que corro, que serão maiores ou menores, mas nos riscos que correm outros, as pessoas mais vulneráveis. Não há que pensar tanto na contaminação de que eu possa ser vítima, mas na contaminação que eu, sem o saber, possa provocar noutros.
É a consciência do bem comum que nos leva a ter em conta a repercussão social de cada nosso comportamento, por mais insignificante que possa parecer. Há que pensar no que sucederia se o meu comportamento se generalizasse, no bem, ou no mal, que decorreria dessa generalização. Pensar desse modo faz toda a diferença.
Há que dar todo o apoio aos grupos mais vulneráveis, como os idosos, evitando de todos os modos que eles tenham que se expor a riscos (fazendo compras por eles, por exemplo). Que um dos efeitos desta pandemia seja o reforço da consciência coletiva de que somos todos diferentes, que muitos são mais pobres e necessitados do amor do próximo, ou seja, carentes de cada um de nós.
E há que dar todo o apoio aos profissionais de saúde, que nesta difícil situação se entregam sem reservas à sua tão nobre missão.
Em tempo de Quaresma, tempo de travessia do deserto para chegarmos à Luz da Ressurreição, forçados a uma quarentena “solidária” que exige de nós um profundo respeito pelos outros – mas em que a natureza humana pode revelar o seu melhor…, ou o seu pior… – rezemos, na privacidade das nossas famílias ou na solidão das nossas casas, ou mesmo dos nossos “quartos”: «Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê num lugar oculto, recompensar-te-á» (Mt 6-7). Que Deus que nos «vê [desse] lugar oculto» nos ilumine e nos conceda o dom da fortaleza para que encontremos novas formas de vida neste mundo que é a nossa casa…
Pelas vítimas desta pandemia, pelos grupos que mais riscos correm e pelos profissionais de saúde, os membros da Comissão Nacional Justiça e Paz dirigem a Deus as suas orações.
Lisboa, 16 de março de 2020
A Comissão Nacional Justiça e Paz
Jan 28, 2020 | CCEE, COMECE, Documentos
Declaração do Presidente do Conselho das Conferências Episcopais Europeias (CCEE)
e do Presidente da Comissão das Conferências Episcopais da União Europeia (COMECE)
Por ocasião do 75º ANIVERSÁRIO DE LIBERTAÇÃO DO CAMPO EXTERMÍNIO NAZI ALEMÃO AUSCHWITZ-BIRKENAU
Já se passaram 75 anos desde a libertação do campo de concentração alemão de Auschwitz-Birkenau (27/01/1945), e este local ainda inspira terror.
- Era o maior campo de concentração nazi, aberto em 1940 nos territórios polacos ocupados. Inicialmente destinado a polacos (Auschwitz), foi significativamente expandido na área da vizinha Brzezinka (Auschwitz-Birkenau) e nos anos entre 1942-1945 – como parte da “Solução Final” (Endlösung) – tornou-se um local de extermínio em massa do povo judeu. No campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, os nacional-socialistas alemães assassinaram mais de um milhão de judeus, dezenas de milhares de polacos (70-75.000), ciganos (21.000), russos (15.000) e vários milhares de prisioneiros de outras nacionalidades. Devido à grande quantidade de vítimas judias, é o maior local de genocídio em massa do mundo.
Auschwitz tornou-se um símbolo de todos os campos de concentração alemães e mesmo de todos os locais de extermínio. É como o auge do ódio contra os seres humanos com um elevado número de mortos no século XX.
É aqui que a tese sobre a desigualdade fundamental das pessoas chega aos seus limites finais. Aqui, os nazistas tomaram o poder de decidir quem é humano e quem não é. Aqui, a eutanásia se encontrou com a eugenia. Auschwitz-Birkenau é o resultado de um sistema baseado na ideologia do nacional-socialismo, que significava atropelar a dignidade do ser humano que é feito à imagem de Deus. Outro totalitarismo, o comunismo, agiu de maneira bastante semelhante, atingindo também o número de milhões de mortes.
- Hoje, centenas de milhares de pessoas visitam este campo a cada ano. Os últimos três papas também estiveram entre os visitantes.
São João Paulo II visitou Auschwitz-Birkenau durante sua primeira peregrinação à Polónia (7 de junho de 1979). Ele atravessou o portão do campo coberto com a inscrição “Arbeit macht frei”, passou um momento na cela da morte de São Maximiliano Maria Kolbe e rezou no pátio do bloco 11, onde os prisioneiros foram baleados. Depois foi a Brzezinka, onde celebrou a Eucaristia. Em sua homilia, ele disse: “E eu paro em particular convosco, queridos participantes desta reunião, em frente à pedra que ostenta a inscrição na língua hebraica. Essa inscrição evoca a memória das pessoas cujos filhos e filhas foram destinados ao extermínio total. Essas pessoas são originárias de Abraão, que é “o Pai de nossa fé” (cf. Rm 4:12), como disse Paulo de Tarso.
Essas pessoas, que receberam este mandamento de Deus: “Não matarás”, experimentaram em si mesmas, em grau especial, o que significa matar. […] Uma nação nunca pode desenvolver-se às custas de outra, às custas da escravidão da outra, às custas da conquista, ultraje, exploração e morte”.
O papa Bento XVI atravessou o portão do campo sozinho (28 de maio de 2006) e, durante a cerimónia no Monumento Internacional do Martírio das Nações, proferiu um discurso no qual declarou: “Como João Paulo II, segui o caminho pelas lápides que, em várias línguas, lembram as vítimas deste lugar. Há uma na língua hebraica. Os potentados do Terceiro Reich queriam esmagar todo povo judeu; excluí-lo da lista de povos da terra. … Afinal, aqueles criminosos cruéis, com a aniquilação desse povo, pretendiam matar aquele Deus que chamou Abraão, que falando no Sinai estabeleceu os critérios orientadores da humanidade que permanecem válidos para sempre. … Com a destruição de Israel, com a Shoá, eles queriam, afinal, também destruir a raiz na qual a fé cristã se baseia, substituindo-a definitivamente por uma fé de sua própria invenção, fé no governo do homem, o governo dos poderosos. … Sim, por trás dessas lápides está oculto o destino de inúmeros seres humanos. Eles agitam nossa memória, agitam nosso coração. Eles não querem provocar ódio em nós: eles realmente nos mostram o quão terrível é a obra do ódio. ”
O Papa Francisco, durante sua visita ao antigo campo de concentração de Auschwitz-Birkenau (29/07/2016), seguiu os passos de seus dois antecessores. Ele não fez nenhum discurso, mas sua presença silenciosa era muito eloquente. No livro memorial, ele escreveu: “Senhor, tenha piedade de seu povo. Senhor, pedimos perdão por tanta crueldade. ”Ele concluiu sua visita com uma oração no Monumento ao Martírio das Nações.
- Há alguns dias, o Papa Francisco fez um apelo: “Que o aniversário da crueldade indescritível que a humanidade experimentou há setenta e cinco anos atrás nos convoque a parar, ficar em silêncio e lembrar. Precisamos fazer isso, para não ficarmos indiferentes ” (Discurso a uma delegação do“ Simon Wiesenthal Center ”, 20 de janeiro de 2020).
O 75º aniversário da libertação do campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, no espírito das palavras do Papa Francisco, obriga-nos a lutar expressamente contra todos os atos que violam a dignidade humana: racismo, xenofobia e anti-semitismo. Neste aniversário, apelamos ao mundo moderno pela reconciliação e pela paz, pelo respeito, pelo direito de cada nação à existência e à liberdade, à independência, à manutenção de sua própria cultura. Não podemos permitir que a verdade seja ignorada ou manipulada para necessidades políticas imediatas. Esse apelo é extremamente importante agora, pois – apesar da dramática experiência do passado – o mundo em que vivemos permanece exposto a novas ameaças e novas manifestações de violência. Guerras cruéis, genocídios, perseguições e diferentes formas de fanatismo persistem, embora a história nos ensine que a violência nunca leva à paz, mas, pelo contrário, gera mais violência e morte.
- Deve lembrar-se que, após a Segunda Guerra Mundial, a reconciliação entre nações parecia humanamente impossível, e, ainda assim, unidos no amor de Jesus Cristo, fomos capazes de perdoar e pedir perdão. Isso é demonstrado pela carta de 1965 que os bispos polacos escreveram aos bispos alemães. A experiência passada ensina como é importante e benéfico construir uma Europa de nações reconciliadas e perdoadas.
No dia 27 de janeiro, às 15h, ou seja, no momento em que o campo de concentração de Auschwitz-Birkenau foi libertado, acenderemos velas e faremos uma oração pelas pessoas, de todas as nacionalidades e religiões, mortas nos campos de extermínio e por suas famílias. Que as nossas orações aumentem a reconciliação e a fraternidade, das quais a hostilidade, os conflitos destrutivos e os mal-entendidos alimentados são o oposto. Que a força do amor de Jesus Cristo prevaleça em nós.
Cardeal Angelo BAGNASCO
Presidente da CCEE
Cardeal Jean-Claude HOLLERICH
Presidente da COMECE
Tradução livre – OCPM
Out 2, 2019 | Documentos, Mensagens, Recortes, Tráfico de Seres Humanos
27 SETEMBRO 2019
- Celebrar os 10 anos da Rede Talitha Kum;
- Avaliar o trabalho realizado em conjunto de acordo com as prioridades estabelecidas em 2016; e
- Definir as prioridades da Talitha Kum Internacional para apoiar os esforços de combate ao tráfico, no período de 2020 a 2025.
O tráfico de pessoas no mundo assume diversas formas. Como membros de uma rede internacional e seguidoras/es de Jesus Cristo, ouvimos o chamado para responder as causas profundas do tráfico humano que transcendem as fronteiras nacionais. Com o objetivo de viver nossa missão e visão identificamos três áreas prioritárias de injustiça estrutural a serem enfrentadas na luta para acabar com o tráfico de pessoas.
Primeira prioridade: A diferença de poder entre homens e mulheres em todos os setores: econômico, social, familiar, político, cultural e religioso.
Denunciamos a coisificação e denigração das mulheres que contribuem para uma cultura global de exploração e violência contras mulheres, refletida no tráfico humano. De acordo com o escritório sobre Drogas e Crime da ONU, 72% das pessoas exploradas através do tráfico humano são mulheres e crianças. Existem muitas formas de tráfico humano incluindo exploração sexual, laboral e remoção ilegal de órgãos. Em se tratando de tráfico para exploração sexual as mulheres representam uma porcentagem ainda maior entre as vítimas.
Fazemos um apelo à Igreja, como Corpo de Cristo e um exemplo para a sociedade, a testemunhar o valor e a dignidade de mulheres e crianças, promovendo um papel adequado em todos os setores. Que esse compromisso seja refletido dentro da Igreja, envolvendo as mulheres nos processos de tomada de decisão, principalmente nos temas que as afetam diretamente. Fazemos um apelo às Conferências Episcopais, às congregações femininas e masculinas, ao clero diocesano e aos leigos para colaborar com as mulheres em nível de igualdade a fim de transformar a cultura de dominação e apoiar as redes da Talitha Kum em suas dioceses e comunidades. Apelamos aos governos em todo o mundo para garantir leis e políticas que promovam e protejam a dignidade de mulheres e crianças.
Comprometemo-nos a empoderarmos mutuamente como líderes na luta para acabar com o tráfico de pessoas; fortalecer o modelo inclusivo de trabalho conjunto das nossas redes; ser solidárias/os com todas/os oprimidas/os, especialmente mulheres e crianças e a promover a dignidade e a igualdade de todas as pessoas.
Segunda prioridade: O modelo dominante do desenvolvimento neoliberal e capitalismo irrestrito cria situações de vulnerabilidade, exploradas pelos recrutadores, traficantes, empregadores e compradores.
Denunciamos este modelo econômico injusto que prioriza o lucro acima dos direitos humanos, cria uma cultura de violência e mercantilização e reduz o financiamento para serviços sociais, colocando pessoas em maior risco de serem traficadas. Isto também afeta programas de prevenção, proteção, apoio, integração e reintegração de pessoas traficadas. Denunciamos a corrupção generalizada que contribui para a continuação desse mal.
Fazemos um apelo à Igreja para que continue usando a Doutrina Social Católica como base de crítica às estruturas sociais e promoção da justiça econômica e social; fazemos um apelo aos governos para que adotem alternativas justas ao modelo neoliberal de desenvolvimento; implementem leis de combate ao tráfico e destinem maior financiamento de apoio a programas de longo prazo para prevenção do tráfico humano e assistências às/aos sobreviventes em seus processos de cura e reintegração na sociedade. Esses programas deveriam ser criados com a contribuição direta das/os sobreviventes e daquelas/es que atuam nesta área, tais como as redes Talitha Kum.
Comprometemo-nos com práticas econômicas justas e sustentáveis em nossas redes, bem como, com a criação de espaços de reflexão interdisciplinar, colaboração e incidência política dentro das várias organizações eclesiais, inter-religiosas e organizações governamentais e internacionais de acordo com os valores do Evangelho e da Doutrina Social Católica.
Terceira Prioridade: Leis e políticas de imigração injustas e inadequadas aliadas à migração e deslocamento forçados colocam as pessoas em maior risco de serem traficadas.
Denunciamos as leis e políticas de imigração injustas enraizadas em uma cultura de racismo e xenofobia que negam os direitos humanos básico das pessoas em movimento. Denunciamos a retórica política desumanizante que alimenta o ódio, a divisão e a violência. Denunciamos a rígida política de imigração que coloca as vítimas do tráfico de pessoas às sombras, dificultando o trabalho de identificação das vítimas e a penalização dos criminosos.
Fazemos um apelo a todas/os os Católicas/os e pessoas de boa vontade a assumir ações proféticas e consistentes com o chamado do Papa Francisco para rezar, acolher, proteger, promover e integrar migrantes, refugiados e pessoas deslocadas internamente a fim de impedir que caiam nas mãos dos traficantes. Apelamos aos governos para que implementem políticas de migração e controle das fronteiras que impeçam o tráfico de pessoas e protejam a segurança, a dignidade, os direitos humanos e a liberdade fundamental de todas/os migrantes, independentemente de seu status migratório.
Comprometemo-nos a trabalhar além das fronteiras e confins através de nossas redes a fim de garantir uma migração segura e impedir o recrutamento dos migrantes pelos traficantes, durante sua viagem e acompanhá-los em seu retorno. Comprometemo-nos usar nossa voz coletiva e envolver funcionários do governo para promover e fazer cumprir as leis e as políticas de migração.
Sabemos que somente trabalhando em colaboração e solidariedade, tecendo uma rede de amor, poderemos enfrentar as questões estruturais que causam e perpetuam o tráfico de pessoas. Como membros da Igreja Católica global, afirmamos as orientações pastorais sobre tráfico de seres humanos e incorporamos suas orientações em nosso trabalho. Convidamos todas/os a se juntarem a nós em oração pela implementação bem-sucedida deste importante trabalho para acabar com o tráfico de pessoas. Juntos, criaremos um futuro cheio de esperança profética trabalhando juntas/os, formando uma rede de compaixão e de graça!
Prioridades Internas Talitha Kum para 2020-2025
A Assembleia também estabeleceu prioridades para aumentar e fortalecer nossa Rede e aprofundar nossos impactos em acabar com o tráfico humano. No período de 2020 a 2025 Talitha Kum se concentrará em melhorar nossos recursos e oportunidades de trabalho em rede, comunicação e formação. Será priorizado o trabalho em educação e prevenção, atenção às/aos sobreviventes, incidência política e o crescimento da rede, priorizando a África e a Ásia.
https://www.talithakum.info/pt/noticias/final-declaration-talitha-kum-assembly-27-setembro-2019
Jul 12, 2019 | Artigo, Documentos, Recortes
https://www.publico.pt/2019/07/09/sociedade/opiniao/francisca-van-dunem-maior-expressao-preconceito-racial-consiste-negacao-preconceito-1879342
Pensar, ponderar, analisar e acima de tudo, realizar estudos sobre os fenómenos do racismo, da xenofobia e da discriminação étnico-racial em Portugal, constitui uma necessidade imperiosa de uma sociedade que cresceu e se diversificou no plano étnico, no plano racial, no plano cultural. Felicito, por isso, a 1ª Comissão e, em particular a subcomissão para a igualdade e não discriminação por esta feliz e tão oportuna iniciativa.
Sem informação obtida através de estudos, inquéritos e análises aprofundadas e sérias sobre estas temáticas nunca chegaremos a conhecê-las na sua dimensão integral, sendo incontornável que estes fenómenos existem e atravessam, transversalmente todos os estratos da sociedade.
O relatório agora apresentado evidencia claramente essa necessidade de obtenção de informação estruturada, detalhada e atualizada. É redutor e pode ser indutor de erros que cada um de nós fundeie a sua opinião, apenas, em perceções e na análise da realidade limitada que conhece.
Tenho a perceção – que julgo partilhada por muita gente -, de que na população racial ou etnicamente diferenciada se inscrevem:
– Os economicamente mais desfavorecidos;
– Os que possuem os empregos com posições de mais baixa qualificação e consequentemente mais mal pagos;
– Os estudantes que apresentam taxas de reprovação e de retenção escolar mais elevadas e revelam maior abstenção escolar;
– Os cidadãos com taxas de inserção no ensino superior mais baixas;
– Os que registam uma maior taxa de encarceramento criminal;
– Os que residem na periferia da periferia, juntando-se em bairros que tendem a transformar-se em guetos, não só económico-sociais, mas também culturais.
Tenho, de igual modo, a perceção que essa realidade não é idêntica para as várias comunidades étnico-raciais que residem em Portugal. A discriminação é hierarquizada – existirão uns que estão mais no fim da cadeia do que outros. Ou seja, que o vivenciado pela comunidade negra, ou cigana, não é semelhante ao vivenciado, por exemplo, pelas comunidades de nepalesa, paquistanesa, da europa de leste, brasileira ou chinesa. No que diz respeito a estas últimas, a ideia que parece transparecer é a de que a sua inclusão, pelo menos do ponto de vista social e económico, se mostra um pouco menos difícil, apesar de não deixam de pertencer a grupos étnicos diferenciados.
Mas, será esta perceção correta ou ela resultará, tão só, do desconhecimento sobre a vivência destas comunidades? O que se passará em relação à islamofobia e ao antissemitismo? Qual a medida da sua existência e que repercussões tem na sociedade portuguesa?
A verdade é que, confesso, não gosto de formar juízos com base em perceções. Confio em factos e não simpatizo com presunções. Também por esta razão, me regozijo pela promoção e realização do trabalho que originou o relatório hoje aqui se apresentado e, mais ainda por a iniciativa partir dos eleitos do povo.
Sobre estas temáticas relacionadas com o racismo, a xenofobia e a discriminação étnico-racial tende a recair um enorme manto de silêncio. Tanto quanto me é dado a conhecer, são realizados alguns estudos sectorais, mas não se encontra disponível informação ampla e abrangente, suscetível de ser cruzadas e trabalhada, com base na qual se possa extrair conclusões seguras sobre a realidade.
Perguntas tão simples como as de saber quantos são os membros destas comunidades; que idade têm; quantos nasceram em Portugal; quantos aos que não nasceram, há quantos anos aqui residem, onde e como vivem, quanto auferem, que graus de escolaridade detêm, que acesso a empregos, a habitação, a cuidados de saúde ou a bens e serviços lhes são negados? Estas questões não têm hoje resposta. No entanto, se não conhecemos as várias vertentes do problema, nem tão pouco a sua dimensão, como é que poderemos atuar de forma integrada e eficaz?
Parafraseando James Baldwin – uma das vozes mais influentes do movimento dos direitos civis, nos Estados Unidos, “nem tudo o que enfrentamos pode ser mudado. Mas nada pode ser mudado enquanto não for enfrentado. O confronto nem sempre traz uma solução para o problema, mas enquanto não enfrentarmos o problema, não teremos solução”.
Relatório do Parlamento propõe estudar quotas em universidades para negros e ciganos
Durante décadas, apregoar a inexistência de fenómenos racistas na sociedade portuguesa tornou-se um quase lugar-comum. A repetição incessante da ideia não teve, contudo, a virtualidade de a converter em verdadeira.
A maior expressão de preconceito racial consiste, precisamente, na negação deste preconceito.
Porque, como escreveu Sophia de Mello Breyner, – «Vemos, ouvimos e lemos, Não podemos ignorar». E falando na primeira pessoa, eu acrescentaria que se para alem de vermos, ouvirmos e lermos, também sentimos – essa ideia da inexistência de fenómenos racistas na sociedade portuguesa foi, paulatinamente, perdendo solidez.
Um número não despiciendo de pessoas passou então a acreditar, na sequência de uma corrente de pensamento que já emerge do século XIX, que a escola, o conhecimento e a cultura se encarregariam de resolver a questão. Bastaria esperar pelo decurso do tempo e pela emergência das novas gerações que, progressivamente, mais escolarizadas teriam, necessariamente, uma abordagem e uma estar diferenciado e iminentemente inclusivo.
Racismo: “Ainda não furámos a barreira de vidro mas estamos a ir contra ela e vamos quebrá-la”
Claro que importa acreditar na educação e na escolarização, mas não há evidência de que essa seja, a solução para os problemas do racismo e da xenofobia nas nossas sociedades. Ninguém duvida que hoje, não só em Portugal, mas também na Europa, a população, principalmente a mais jovem, alcançou um grau de escolarização muito superior relativamente às gerações que a precederam.
Mas esse facto determinou que tivesse diminuído, por exemplo, o discurso de ódio ou a reação perante a diferença racial ou étnica? Diria que não. Pelo contrário, parece ter-se refundado, em pleno século XXI, um discurso de ódio ao diferente, com óbvio recrudescimento das sociedades xenófobas e racistas.
É esta constatação que conduz à conclusão de que, relativamente a estas temáticas, bem como em relação a outras, infelizmente a educação, o conhecimento e a cultura não consubstanciam a magia do Santo Graal. Um grau de escolaridade mais elevado poderá tornar as reações mais subtis, menos primárias ou grosseiras, mas não tem a faculdade de as eliminar.
Quantas e quantas vezes ouvimos, proferida pelas pessoas mais diversas e diferenciadas: não sou racista mas …, sendo certo que após a adversativa se segue um comentário que, seguramente, exemplifica ou demonstra um qualquer estereótipo negativo que marcará a diferença entre “nós e os outros”.
Inúmeras pessoas afirmarão, sem hesitar – que o racismo é estúpido. No entanto, algumas dessas pessoas provavelmente não admitirão, nem sequer perante si próprias, que a diferença os incomoda ou mesmo que lhes causa aversão e lhes determina a reações hostis.
Como já alguém afirmou, o racismo é o crime perfeito – quem o comete acha sempre que a culpa é da vítima.
Relativamente a estes fenómenos não há uma solução ou a solução. Existirão, ao invés, inúmeros ângulos que necessitam de ser abordados sendo que, entre estes, os mais prementes se prendem com a desigualdade e com a exclusão.
Como intervir perante o medo da diferença? Como agir e o que fazer para a diferença não se transmute em desigualdade?
Mais: como intervir na sociedade atual onde a coberto do anonimato potenciado pelas redes sociais floresce o sentimento anti-imigrante e onde grande parte dos males do mundo é imputado a um outro que, por qualquer razão, nos seja dissemelhante?
Creio que uma das chaves – claro está que integrada numa miríade de outras – será a da inclusão. O receio, o medo e a hostilidade serão, creio, tanto menores, quanto mais o diferente nos seja próximo, quanto mais convivermos, repartirmos, e estabelecermos cumplicidades com esses outros.
Essa inclusão apenas se alcançará se os que aparentemente não são iguais frequentarem as mesmas creches, o mesmo ensino pré-escolar, as mesmas escolas, forem vizinhos ou colegas de trabalho. Se tiverem os mesmos estímulos.
Esta será, creio, uma das vias que possibilitará que a diferença deixe de convulsionar ou inquietar e se converta em normalidade. Essa normalidade poderá então criar a oportunidade para, fazendo minhas as palavras do Papa Francisco, «viver com a cultura do outro» e, ao vivê-la, a vermos e sentirmos como natural.
Importa, todavia, que não tenhamos ilusões: a estrada que importa percorrer é imensa e, não raras vezes, o caminho parece infinito. Não obstante, acredito, firmemente, que um dia virá que todos concordarão, sem reserva, com Gabriel García Marquez: uma pessoa só tem direito de olhar outra de cima para baixo no momento de a ajudar a levantar-se.
Temos de construir sobre bons valores partilhados e ver na diversidade, não uma ameaça, mas antes uma riqueza: Portugal não merece nem espera de nós outra atitude.
Termino felicitando mais a primeira Comissão por ter decidido iniciar um debate esclarecido sobre questões subalternizadas no pensamento e discurso institucionais. Nesta matéria o negacionismo, a persistência na desvalorização do fenómeno conduz ao desastre e à radicalização de posições.
Mai 28, 2019 | Documentos, Mensagens, Migrantes, Refugiados
Queridos irmãos e irmãs!
A fé assegura-nos que o Reino de Deus já está, misteriosamente, presente sobre a terra (cf. CONC. ECUM. VAT. II, Const. past. Gaudium et spes, 39); contudo, mesmo em nossos dias, com pesar temos de constatar que se lhe deparam obstáculos e forças contrárias. Conflitos violentos, verdadeiras guerras não cessam de dilacerar a humanidade; sucedem-se injustiças e discriminações; tribula-se para superar os desequilíbrios económicos e sociais, de ordem local ou global. E quem sofre as consequências de tudo isto são sobretudo os mais pobres e desfavorecidos.
As sociedades economicamente mais avançadas tendem, no seu seio, para um acentuado individualismo que, associado à mentalidade utilitarista e multiplicado pela rede mediática, gera a «globalização da indiferença». Neste cenário, os migrantes, os refugiados, os desalojados e as vítimas do tráfico de seres humanos aparecem como os sujeitos emblemáticos da exclusão, porque, além dos incómodos inerentes à sua condição, acabam muitas vezes alvo de juízos negativos que os consideram como causa dos males sociais. A atitude para com eles constitui a campainha de alarme que avisa do declínio moral em que se incorre, se se continua a dar espaço à cultura do descarte. Com efeito, por este caminho, cada indivíduo que não se enquadre com os cânones do bem-estar físico, psíquico e social fica em risco de marginalização e exclusão.
Por isso, a presença dos migrantes e refugiados – como a das pessoas vulneráveis em geral – constitui, hoje, um convite a recuperar algumas dimensões essenciais da nossa existência cristã e da nossa humanidade, que correm o risco de entorpecimento num teor de vida rico de comodidades. Aqui está a razão por que «não se trata apenas de migrantes», ou seja, quando nos interessamos por eles, interessamo-nos também por nós, por todos; cuidando deles, todos crescemos; escutando-os, damos voz também àquela parte de nós mesmos que talvez mantenhamos escondida por não ser bem vista hoje.

«Tranquilizai-vos! Sou Eu! Não temais!» (Mt 14, 27).
Não se trata apenas de migrantes: trata-se também dos nossos medos.
As maldades e torpezas do nosso tempo fazem aumentar «o nosso receio em relação aos “outros”, aos desconhecidos, aos marginalizados, aos forasteiros (…). E isto nota-se particularmente hoje, perante a chegada de migrantes e refugiados que batem à nossa porta em busca de proteção, segurança e um futuro melhor. É verdade que o receio é legítimo, inclusive porque falta a preparação para este encontro» (Homilia, Sacrofano, 15 de fevereiro de 2019). O problema não está no facto de ter dúvidas e receios. O problema surge quando estes condicionam de tal forma o nosso modo de pensar e agir, que nos tornam intolerantes, fechados, talvez até – sem disso nos apercebermos – racistas. E assim o medo priva-nos do desejo e da capacidade de encontrar o outro, a pessoa diferente de mim; priva-me duma ocasião de encontro com o Senhor (cf. Homilia na Missa do Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, 14 de janeiro de 2018).
«Se amais os que vos amam, que recompensa haveis de ter? Não fazem já isso os publicanos?» (Mt 5, 46).
Não se trata apenas de migrantes: trata-se da caridade.
Através das obras de caridade, demonstramos a nossa fé (cf. Tg 2, 18). E a caridade mais excelsa é a que se realiza em benefício de quem não é capaz de retribuir, nem talvez de agradecer. «Em jogo está a fisionomia que queremos assumir como sociedade e o valor de cada vida. (…) O progresso dos nossos povos (…) depende sobretudo da capacidade de se deixar mover e comover por quem bate à porta e, com o seu olhar, desabona e exautora todos os falsos ídolos que hipotecam e escravizam a vida; ídolos que prometem uma felicidade ilusória e efémera, construída à margem da realidade e do sofrimento dos outros» (Discurso na Cáritas diocesana de Rabat, Marrocos, 30 de março de 2019).
«Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, encheu-se de compaixão» (Lc 10, 33).
Não se trata apenas de migrantes: trata-se da nossa humanidade.
O que impele aquele samaritano – um estrangeiro, segundo os judeus – a deter-se é a compaixão, um sentimento que não se pode explicar só a nível racional. A compaixão toca as cordas mais sensíveis da nossa humanidade, provocando um impulso imperioso a «fazer-nos próximo» de quem vemos em dificuldade. Como nos ensina o próprio Jesus (cf. Mt 9, 35-36; 14, 13-14; 15, 32-37), ter compaixão significa reconhecer o sofrimento do outro e passar, imediatamente, à ação para aliviar, cuidar e salvar.
Ter compaixão significa dar espaço à ternura, ao contrário do que tantas vezes nos pede a sociedade atual, ou seja, que a reprimamos. «Abrir-se aos outros não empobrece, mas enriquece, porque nos ajuda a ser mais humanos: a reconhecer-se parte ativa dum todo maior e a interpretar a vida como um dom para os outros; a ter como alvo não os próprios interesses, mas o bem da humanidade» (Discurso na Mesquita «Heydar Aliyev» de Baku, Azerbeijão, 2 de outubro de 2016).

«Livrai-vos de desprezar um só destes pequeninos, pois digo-vos que os seus anjos, no Céu, veem constantemente a face de meu Pai que está no Céu» (Mt 18, 10).
Não se trata apenas de migrantes: trata-se de não excluir ninguém.
O mundo atual vai-se tornando, dia após dia, mais elitista e cruel para com os excluídos. Os países em vias de desenvolvimento continuam a ser depauperados dos seus melhores recursos naturais e humanos em benefício de poucos mercados privilegiados. As guerras abatem-se apenas sobre algumas regiões do mundo, enquanto as armas para as fazer são produzidas e vendidas noutras regiões, que depois não querem ocupar-se dos refugiados causados por tais conflitos. Quem sofre as consequências são sempre os pequenos, os pobres, os mais vulneráveis, a quem se impede de sentar-se à mesa deixando-lhe as «migalhas» do banquete (cf. Lc 16, 19-21). «A Igreja “em saída” (…) sabe tomar a iniciativa sem medo, ir ao encontro, procurar os afastados e chegar às encruzilhadas dos caminhos para convidar os excluídos» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 24). O desenvolvimento exclusivista torna os ricos mais ricos e os pobres mais pobres. Verdadeiro desenvolvimento é aquele que procura incluir todos os homens e mulheres do mundo, promovendo o seu crescimento integral, e se preocupa também com as gerações futuras.

«Quem quiser ser grande entre vós, faça-se vosso servo; e quem quiser ser o primeiro entre vós, faça-se o servo de todos» (Mc 10, 43-44).
Não se trata apenas de migrantes: trata-se de colocar os últimos em primeiro lugar.
Jesus Cristo pede-nos para não cedermos à lógica do mundo, que justifica a prevaricação sobre os outros para meu proveito pessoal ou do meu grupo: primeiro eu, e depois os outros! Ao contrário, o verdadeiro lema do cristão é «primeiro os últimos». «Um espírito individualista é terreno fértil para medrar aquele sentido de indiferença para com o próximo, que leva a tratá-lo como mero objeto de comércio, que impele a ignorar a humanidade dos outros e acaba por tornar as pessoas medrosas e cínicas. Porventura não são estes os sentimentos que muitas vezes nos assaltam à vista dos pobres, dos marginalizados, dos últimos da sociedade? E são tantos os últimos na nossa sociedade! Dentre eles, penso sobretudo nos migrantes, com o peso de dificuldades e tribulações que enfrentam diariamente à procura – por vezes, desesperada – dum lugar onde viver em paz e com dignidade» (Discurso ao Corpo Diplomático, 11 de janeiro de 2016). Na lógica do Evangelho, os últimos vêm em primeiro lugar, e nós devemos colocar-nos ao seu serviço.
«Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância» (Jo 10, 10).
Não se trata apenas de migrantes: trata-se da pessoa toda e de todas as pessoas.
Nesta afirmação de Jesus, encontramos o cerne da sua missão: procurar que todos recebam o dom da vida em plenitude, segundo a vontade do Pai. Em cada atividade política, em cada programa, em cada ação pastoral, no centro devemos colocar sempre a pessoa com as suas múltiplas dimensões, incluindo a espiritual. E isto vale para todas as pessoas, entre as quais se deve reconhecer a igualdade fundamental. Por conseguinte, «o desenvolvimento não se reduz a um simples crescimento económico. Para ser autêntico, deve ser integral, quer dizer, promover todos os homens e o homem todo» (SÃO PAULO VI, Enc. Populorum progressio, 14).
«Portanto, já não sois estrangeiros nem imigrantes, mas sois concidadãos dos santos e membros da casa de Deus» (Ef 2, 19).
Não se trata apenas de migrantes: trata-se de construir a cidade de Deus e do homem.
Na nossa época, designada também a era das migrações, muitas são as pessoas inocentes que caem vítimas da «grande ilusão» dum desenvolvimento tecnológico e consumista sem limites (cf. Enc. Laudato si’, 34). E, assim, partem em viagem para um «paraíso» que, inexoravelmente, atraiçoa as suas expetativas. A sua presença, por vezes incómoda, contribui para desmentir os mitos dum progresso reservado a poucos, mas construído sobre a exploração de muitos. «Trata-se então de vermos, nós em primeiro lugar, e de ajudarmos os outros a verem no migrante e no refugiado não só um problema a enfrentar, mas um irmão e uma irmã a serem acolhidos, respeitados e amados; trata-se duma oportunidade que a Providência nos oferece de contribuir para a construção duma sociedade mais justa, duma democracia mais completa, dum país mais inclusivo, dum mundo mais fraterno e duma comunidade cristã mais aberta, de acordo com o Evangelho» (Mensagem para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado de 2014).
Queridos irmãos e irmãs, a resposta ao desafio colocado pelas migrações contemporâneas pode-se resumir em quatro verbos: acolher, proteger, promover e integrar. Mas estes verbos não valem apenas para os migrantes e os refugiados; exprimem a missão da Igreja a favor de todos os habitantes das periferias existenciais, que devem ser acolhidos, protegidos, promovidos e integrados. Se pusermos em prática estes verbos, contribuímos para construir a cidade de Deus e do homem, promovemos o desenvolvimento humano integral de todas as pessoas e ajudamos também a comunidade mundial a ficar mais próxima de alcançar os objetivos de desenvolvimento sustentável que se propôs e que, caso contrário, dificilmente serão atingíveis.
Por conseguinte, não está em jogo apenas a causa dos migrantes; não é só deles que se trata, mas de todos nós, do presente e do futuro da família humana. Os migrantes, especialmente os mais vulneráveis, ajudam-nos a ler os «sinais dos tempos».
Através deles, o Senhor chama-nos a uma conversão, a libertar-nos dos exclusivismos, da indiferença e da cultura do descarte. Através deles, o Senhor convida-nos a reapropriarmo-nos da nossa vida cristã na sua totalidade e contribuir, cada qual segundo a própria vocação, para a construção dum mundo cada vez mais condizente com o projeto de Deus.
Estes são os meus votos que acompanho com a oração, invocando, por intercessão da Virgem Maria, Nossa Senhora da Estrada, abundantes bênçãos sobre todos os migrantes e refugiados do mundo e sobre aqueles que se fazem seus companheiros de viagem.
Vaticano, 27 de maio de 2019.
[Francisco PP]