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A FRATERNIDADE HUMANA EM PROL DA PAZ MUNDIAL E DA CONVIVÊNCIA COMUM

A FRATERNIDADE HUMANA EM PROL DA PAZ MUNDIAL E DA CONVIVÊNCIA COMUM

PREFÁCIO

A fé leva o crente a ver no outro um irmão que se deve apoiar e amar. Da fé em Deus, que criou o universo, as criaturas e todos os seres humanos – iguais pela Sua Misericórdia –, o crente é chamado a expressar esta fraternidade humana, salvaguardando a criação e todo o universo e apoiando todas as pessoas, especialmente as mais necessitadas e pobres.

Partindo deste valor transcendente, em vários encontros dominados por uma atmosfera de fraternidade e amizade, compartilhamos as alegrias, as tristezas e os problemas do mundo contemporâneo, a nível do progresso científico e técnico, das conquistas terapêuticas, da era digital, dos mass-media, das comunicações; a nível da pobreza, das guerras e das aflições de tantos irmãos e irmãs em diferentes partes do mundo, por causa da corrida às armas, das injustiças sociais, da corrupção, das desigualdades, da degradação moral, do terrorismo, da discriminação, do extremismo e de muitos outros motivos.

De tais fraternas e sinceras acareações que tivemos e do encontro cheio de esperança num futuro luminoso para todos os seres humanos, nasceu a ideia deste «Documento sobre a Fraternidade Humana». Um documento pensado com sinceridade e seriedade para ser uma declaração conjunta de boas e leais vontades, capaz de convidar todas as pessoas, que trazem no coração a fé em Deus e a fé na fraternidade humana, a unir-se e trabalhar em conjunto, de modo que tal documento se torne para as novas gerações um guia rumo à cultura do respeito mútuo, na compreensão da grande graça divina que torna irmãos todos os seres humanos.

DOCUMENTO

Em nome de Deus, que criou todos os seres humanos iguais nos direitos, nos deveres e na dignidade e os chamou a conviver entre si como irmãos, a povoar a terra e a espalhar sobre ela os valores do bem, da caridade e da paz.

Em nome da alma humana inocente que Deus proibiu de matar, afirmando que qualquer um que mate uma pessoa é como se tivesse morto toda a humanidade e quem quer que salve uma pessoa é como se tivesse salvo toda a humanidade.

Em nome dos pobres, dos miseráveis, dos necessitados e dos marginalizados, a quem Deus ordenou socorrer como um dever exigido a todos os homens e de modo particular às pessoas facultosas e abastadas.

Em nome dos órfãos, das viúvas, dos refugiados e dos exilados das suas casas e dos seus países; de todas as vítimas das guerras, das perseguições e das injustiças; dos fracos, de quantos vivem no medo, dos prisioneiros de guerra e dos torturados em qualquer parte do mundo, sem distinção alguma.

Em nome dos povos que perderam a segurança, a paz e a convivência comum, tornando-se vítimas das destruições, das ruínas e das guerras.

Em nome da «fraternidade humana», que abraça todos os homens, une-os e torna-os iguais.

Em nome desta fraternidade dilacerada pelas políticas de integralismo e divisão e pelos sistemas de lucro desmesurado e pelas tendências ideológicas odiosas, que manipulam as ações e os destinos dos homens.

Em nome da liberdade, que Deus deu a todos os seres humanos, criando-os livres e enobrecendo-os com ela.

Em nome da justiça e da misericórdia, fundamentos da prosperidade e pilares da fé.

Em nome de todas as pessoas de boa vontade, presentes em todos os cantos da terra.

Em nome de Deus e de tudo isto, Al-Azhar al-Sharif – com os muçulmanos do Oriente e do Ocidente – juntamente com a Igreja Católica – com os católicos do Oriente e do Ocidente – declaramos adotar a cultura do diálogo como caminho; a colaboração comum como conduta; o conhecimento mútuo como método e critério.

Nós – crentes em Deus, no encontro final com Ele e no Seu Julgamento –, a partir da nossa responsabilidade religiosa e moral e através deste Documento, rogamos a nós mesmos e aos líderes do mundo inteiro, aos artífices da política internacional e da economia mundial, para se comprometer seriamente na difusão da tolerância, da convivência e da paz; para intervir, o mais breve possível, a fim de se impedir o derramamento de sangue inocente e acabar com as guerras, os conflitos, a degradação ambiental e o declínio cultural e moral que o mundo vive atualmente.

Dirigimo-nos aos intelectuais, aos filósofos, aos homens de religião, aos artistas, aos operadores dos mass-media e aos homens de cultura em todo o mundo, para que redescubram os valores da paz, da justiça, do bem, da beleza, da fraternidade humana e da convivência comum, para confirmar a importância destes valores como âncora de salvação para todos e procurar difundi-los por toda a parte.

Partindo duma reflexão profunda sobre a nossa realidade contemporânea, apreciando os seus êxitos e vivendo as suas dores, os seus dramas e calamidades, esta Declaração acredita firmemente que, entre as causas mais importantes da crise do mundo moderno, se contam uma consciência humana anestesiada e o afastamento dos valores religiosos, bem como o predomínio do individualismo e das filosofias materialistas que divinizam o homem e colocam os valores mundanos e materiais no lugar dos princípios supremos e transcendentes.

Nós, embora reconhecendo os passos positivos que a nossa civilização moderna tem feito nos campos da ciência, da tecnologia, da medicina, da indústria e do bem-estar, particularmente nos países desenvolvidos, ressaltamos que, juntamente com tais progressos históricos, grandes e apreciados, se verifica uma deterioração da ética, que condiciona a atividade internacional, e um enfraquecimento dos valores espirituais e do sentido de responsabilidade. Tudo isto contribui para disseminar uma sensação geral de frustração, solidão e desespero, levando muitos a cair na voragem do extremismo ateu e agnóstico ou então no integralismo religioso, no extremismo e no fundamentalismo cego, arrastando assim outras pessoas a render-se a formas de dependência e autodestruição individual e coletiva.

A história afirma que o extremismo religioso e nacional e a intolerância geraram no mundo, quer no Ocidente quer no Oriente, aquilo que se poderia chamar os sinais duma «terceira guerra mundial aos pedaços»; sinais que, em várias partes do mundo e em diferentes condições trágicas, começaram a mostrar o seu rosto cruel; situações de que não se sabe exatamente quantas vítimas, viúvas e órfãos produziram. Além disso, existem outras áreas que se preparam a tornar-se palco de novos conflitos, onde nascem focos de tensão e se acumulam armas e munições, numa situação mundial dominada pela incerteza, pela deceção e pelo medo do futuro e controlada por míopes interesses económicos.

Afirmamos igualmente que as graves crises políticas, a injustiça e a falta duma distribuição equitativa dos recursos naturais – dos quais beneficia apenas uma minoria de ricos, em detrimento da maioria dos povos da terra – geraram, e continuam a fazê-lo, enormes quantidades de doentes, necessitados e mortos, causando crises letais de que são vítimas vários países, não obstante as riquezas naturais e os recursos das gerações jovens que os caraterizam. A respeito de tais crises que fazem morrer à fome milhões de crianças, já reduzidas a esqueletos humanos por causa da pobreza e da fome, reina um inaceitável silêncio internacional.

A propósito, é evidente quão essencial seja a família, como núcleo fundamental da sociedade e da humanidade, para dar à luz filhos, criá-los, educá-los, proporcionar-lhes uma moral sólida e a proteção familiar. Atacar a instituição familiar, desprezando-a ou duvidando da importância de seu papel, constitui um dos males mais perigosos do nosso tempo.

Atestamos também a importância do despertar do sentido religioso e da necessidade de o reanimar nos corações das novas gerações, através duma educação sadia e da adesão aos valores morais e aos justos ensinamentos religiosos, para enfrentarem as tendências individualistas, egoístas, conflituais, o radicalismo e o extremismo cego em todas as suas formas e manifestações.

O primeiro e mais importante objetivo das religiões é o de crer em Deus, honrá-Lo e chamar todos os homens a acreditarem que este universo depende de um Deus que o governa: é o Criador que nos moldou com a Sua Sabedoria divina e nos concedeu o dom da vida para o guardarmos. Um dom que ninguém tem o direito de tirar, ameaçar ou manipular a seu bel-prazer; pelo contrário, todos devem preservar este dom da vida desde o seu início até à sua morte natural. Por isso, condenamos todas as práticas que ameaçam a vida, como os genocídios, os atos terroristas, os deslocamentos forçados, o tráfico de órgãos humanos, o aborto e a eutanásia e as políticas que apoiam tudo isto.

De igual modo declaramos – firmemente – que as religiões nunca incitam à guerra e não solicitam sentimentos de ódio, hostilidade, extremismo nem convidam à violência ou ao derramamento de sangue. Estas calamidades são fruto de desvio dos ensinamentos religiosos, do uso político das religiões e também das interpretações de grupos de homens de religião que abusaram – nalgumas fases da história – da influência do sentimento religioso sobre os corações dos homens para os levar à realização daquilo que não tem nada a ver com a verdade da religião, para alcançar fins políticos e económicos mundanos e míopes. Por isso, pedimos a todos que cessem de instrumentalizar as religiões para incitar ao ódio, à violência, ao extremismo e ao fanatismo cego e deixem de usar o nome de Deus para justificar atos de homicídio, de exílio, de terrorismo e de opressão. Pedimo-lo pela nossa fé comum em Deus, que não criou os homens para ser assassinados ou lutar uns com os outros, nem para ser torturados ou humilhados na sua vida e na sua existência. Com efeito Deus, o Todo-Poderoso, não precisa de ser defendido por ninguém e não quer que o Seu nome seja usado para aterrorizar as pessoas.

Este Documento, de acordo com os Documentos Internacionais anteriores que destacaram a importância do papel das religiões na construção da paz mundial, atesta quanto segue:

• A forte convicção de que os verdadeiros ensinamentos das religiões convidam a permanecer ancorados aos valores da paz; apoiar os valores do conhecimento mútuo, da fraternidade humana e da convivência comum; restabelecer a sabedoria, a justiça e a caridade e despertar o sentido da religiosidade entre os jovens, para defender as novas gerações a partir do domínio do pensamento materialista, do perigo das políticas da avidez do lucro desmesurado e da indiferença baseadas na lei da força e não na força da lei.

• A liberdade é um direito de toda a pessoa: cada um goza da liberdade de credo, de pensamento, de expressão e de ação. O pluralismo e as diversidades de religião, de cor, de sexo, de raça e de língua fazem parte daquele sábio desígnio divino com que Deus criou os seres humanos. Esta Sabedoria divina é a origem donde deriva o direito à liberdade de credo e à liberdade de ser diferente. Por isso, condena-se o facto de forçar as pessoas a aderir a uma determinada religião ou a uma certa cultura, bem como de impor um estilo de civilização que os outros não aceitam.

• A justiça baseada na misericórdia é o caminho a percorrer para se alcançar uma vida digna, a que tem direito todo o ser humano.

• O diálogo, a compreensão, a difusão da cultura da tolerância, da aceitação do outro e da convivência entre os seres humanos contribuiriam significativamente para a redução de muitos problemas económicos, sociais, políticos e ambientais que afligem grande parte do género humano.

• O diálogo entre crentes significa encontrar-se no espaço enorme dos valores espirituais, humanos e sociais comuns, e investir isto na propagação das mais altas virtudes morais que as religiões solicitam; significa também evitar as discussões inúteis.

• A proteção dos locais de culto – templos, igrejas e mesquitas – é um dever garantido pelas religiões, pelos valores humanos, pelas leis e pelas convenções internacionais. Qualquer tentativa de atacar locais de culto ou de os ameaçar através de atentados, explosões ou demolições é um desvio dos ensinamentos das religiões, bem como uma clara violação do direito internacional.

• O terrorismo execrável que ameaça a segurança das pessoas, tanto no Oriente como no Ocidente, tanto no Norte como no Sul, espalhando pânico, terror e pessimismo não se deve à religião – embora os terroristas a instrumentalizem – mas tem origem no cúmulo de interpretações erradas dos textos religiosos, nas políticas de fome, de pobreza, de injustiça, de opressão, de arrogância; por isso, é necessário interromper o apoio aos movimentos terroristas através do fornecimento de dinheiro, de armas, de planos ou justificações e também a cobertura mediática, e considerar tudo isto como crimes internacionais que ameaçam a segurança e a paz mundial. É preciso condenar tal terrorismo em todas as suas formas e manifestações.

• O conceito de cidadania baseia-se na igualdade dos direitos e dos deveres, sob cuja sombra todos gozam da justiça. Por isso, é necessário empenhar-se por estabelecer nas nossas sociedades o conceito de cidadania plena e renunciar ao uso discriminatório do termo minorias, que traz consigo as sementes de se sentir isolado e da inferioridade; isto prepara o terreno para as hostilidades e a discórdia e subtrai as conquistas e os direitos religiosos e civis de alguns cidadãos, discriminando-os.

• O relacionamento entre Ocidente e Oriente é uma necessidade mútua indiscutível, que não pode ser comutada nem transcurada, para que ambos se possam enriquecer mutuamente com a civilização do outro através da troca e do diálogo das culturas. O Ocidente poderia encontrar na civilização do Oriente remédios para algumas das suas doenças espirituais e religiosas causadas pelo domínio do materialismo. E o Oriente poderia encontrar na civilização do Ocidente tantos elementos que o podem ajudar a salvar-se da fragilidade, da divisão, do conflito e do declínio científico, técnico e cultural. É importante prestar atenção às diferenças religiosas, culturais e históricas que são uma componente essencial na formação da personalidade, da cultura e da civilização oriental; e é importante consolidar os direitos humanos gerais e comuns, para ajudar a garantir uma vida digna para todos os homens no Oriente e no Ocidente, evitando o uso da política de duas medidas.

• É uma necessidade indispensável reconhecer o direito da mulher à instrução, ao trabalho, ao exercício dos seus direitos políticos. Além disso, deve-se trabalhar para libertá-la das pressões históricas e sociais contrárias aos princípios da própria fé e da própria dignidade. Também é necessário protegê-la da exploração sexual e de a tratar como mercadoria ou meio de prazer ou de ganho económico. Por isso, devem-se interromper todas as práticas desumanas e os costumes triviais que humilham a dignidade da mulher e trabalhar para modificar as leis que impedem as mulheres de gozarem plenamente dos seus direitos.

• A tutela dos direitos fundamentais das crianças a crescer num ambiente familiar, à alimentação, à educação e à assistência é um dever da família e da sociedade. Tais direitos devem ser garantidos e tutelados para que não faltem e não sejam negados a nenhuma criança em nenhuma parte do mundo. É preciso condenar qualquer prática que viole a dignidade das crianças ou os seus direitos. Igualmente importante é velar contra os perigos a que estão expostas – especialmente no ambiente digital – e considerar como crime o tráfico da sua inocência e qualquer violação da sua infância.

• A proteção dos direitos dos idosos, dos vulneráveis, dos portadores de deficiência e dos oprimidos é uma exigência religiosa e social que deve ser garantida e protegida através de legislações rigorosas e da aplicação das convenções internacionais a este respeito.

Por fim, através da cooperação conjunta, a Igreja Católica e a al-Azhar anunciam e prometem levar este Documento às Autoridades, aos Líderes influentes, aos homens de religião do mundo inteiro, às organizações regionais e internacionais competentes, às organizações da sociedade civil, às instituições religiosas e aos líderes do pensamento; e empenhar-se na divulgação dos princípios desta Declaração em todos os níveis regionais e internacionais, solicitando que se traduzam em políticas, decisões, textos legislativos, programas de estudo e materiais de comunicação.

Al-Azhar e a Igreja Católica pedem que este Documento se torne objeto de pesquisa e reflexão em todas as escolas, nas universidades e nos institutos de educação e formação, a fim de contribuir para criar novas gerações que levem o bem e a paz e defendam por todo o lado o direito dos oprimidos e dos marginalizados.

Ao concluir, almejamos que esta Declaração:

seja um convite à reconciliação e à fraternidade entre todos os crentes, mais ainda, entre os crentes e os não-crentes, e entre todas as pessoas de boa vontade;

seja um apelo a toda a consciência viva, que repudia a violência aberrante e o extremismo cego; um apelo a quem ama os valores da tolerância e da fraternidade, promovidos e encorajados pelas religiões;

seja um testemunho da grandeza da fé em Deus, que une os corações divididos e eleva a alma humana;

seja um símbolo do abraço entre o Oriente e o Ocidente, entre o Norte e o Sul e entre todos aqueles que acreditam que Deus nos criou para nos conhecermos, cooperarmos entre nós e vivermos como irmãos que se amam.

Isto é o que esperamos e tentaremos realizar a fim de alcançar uma paz universal de que gozem todos os homens nesta vida.

Abu Dabhi, 4 de fevereiro de 2019.

          Sua Santidade                                             Grande Imã de Al-Azhar
           Papa Francisco                                              Ahmad Al-Tayyib                                                      

A boa política ao serviço da paz

A boa política ao serviço da paz

Nota da Comissão Nacional Justiça e Paz

sobre a mensagem do Papa para o Dia Mundial da Paz

A Comissão Nacional Justiça e Paz quer, através desta nota, chamar a atenção para a oportunidade da mensagem do Papa para o 52º Dia Mundial da Paz (celebrado a 1 de janeiro de 2019), mensagem que tem por título: A Boa Política Está ao Serviço da Paz.

            São várias as circunstâncias que marcam a atualidade e que tornam particularmente oportuna esta mensagem, relativa à política e à paz: o crescente absentismo eleitoral e desinteresse na participação política; a frequência de atitudes que denotam falta de ética da parte de políticos de quem se esperaria um comportamento exemplar; a marginalização de jovens vítimas do desemprego; o apoio que em muitos países recolhem discursos baseados na hostilidade aos estrangeiros e fomentadores de ódio; a violência verbal para com adversários políticos; a persistência de guerras perante o alheamento de muitos responsáveis políticos; o comércio de armas, clandestino ou com a cumplicidade de governos indiferentes ao destino que a estas é dado.

               Neste contexto, queremos pôr em relevo alguns dos aspetos da referida mensagem:

            Deve ser reafirmada a dignidade da política («uma forma eminente de caridade») como serviço à vida e dignidade das pessoas, aos direitos humanos fundamentais (os quais não podem ser desligados dos deveres respetivos) e à paz.

            A política assim concebida leva a estabelecer entre as gerações presentes e as gerações futuras laços de confiança e gratidão.

            A boa política promove a participação política dos jovens. Reconhece as capacidades de cada pessoa e encoraja os talentos e vocações dos jovens, porque «cada um pode contribuir com uma pedra para a construção da casa comum» e «cada mulher, cada homem e cada geração encerram em si uma promessa que pode libertar novas energias relacionais, intelectuais, culturais e espirituais».

            A boa política promove a confiança no outro. Vivemos hoje um clima de desconfiança enraizada no medo do outro ou do estrangeiro que se manifesta em atitudes de fechamento ou nacionalismo que colocam em questão a fraternidade universal, de que o nosso mundo globalizado tanto precisa.

            A paz não é um simples equilíbrio de forças, nem pode assentar na ameaça e medo de retaliações. Manter o outro sob ameaça é reduzi-lo a objeto e negar a sua dignidade.

Merecem especial cuidado e proteção as crianças vítimas da guerra (uma em cada seis, no mundo inteiro), algumas delas arregimentadas como soldados ou reféns de grupos armados. 

A paz supõe uma conversão do coração e do espírito e nas suas vertentes pessoal e comunitária inclui três dimensões indissociáveis: a paz com o outro (o familiar, o amigo, o estrangeiro, o pobre, a pessoa que sofre), a paz com a criação (um dom de Deus por que somos responsáveis enquanto habitantes do mundo e construtores do futuro) e a paz consigo mesmo (o que supõe a recusa da intransigência, da cólera e da impaciência).

A política da paz apoia-se e renova-se no espírito do Magnificat que Maria, Rainha da Paz, canta por nós e por todas as gerações: «…exaltou os humildes…aos famintos encheu de bens…lembrado da sua misericórdia, como tinha prometido a nossos pais, a Abraão e à sua descendência para sempre» (Lc, 49-55).

 Lisboa, 1 de janeiro de 2019

A Comissão Nacional Justiça e Paz        

O que são os pactos Globais e como é que eles vão afectar Migrantes e Refugiados?

O que são os pactos Globais e como é que eles vão afectar Migrantes e Refugiados?

Genebra, 27 de novembro de 2018
Em Dezembro de 2018, os  países membros das nações unidas irão adoptar O Pacto Global para as Migrações e o Pacto Global para os Refugiados. Este acordo internacional introduz uma abordagem nova e abrangente, para atender às necessidades dos migrantes e refugiados em todo o mundo. Numa serie de curtos vídeos, o Director de Políticas do ICMC, Stéphane Jaquemet explica os Pactos,os efeitos pretendidos, o papel que governos, a sociedade civil e as organizações religiosas, assim como os indivíduos podem desempenhar na sua implementação
Mensagem do Papa Francisco para o «Dia Mundial de Oração pelo Cuidado pela Criação» (2018)

Mensagem do Papa Francisco para o «Dia Mundial de Oração pelo Cuidado pela Criação» (2018)

Caros irmãos e irmãs!

Neste Dia de Oração desejo, em primeiro lugar, agradecer ao Senhor pelo dom da casa comum e por todos os homens de boa vontade que estão comprometidos em protegê-la. Agradeço também pelos numerosos projetos que visam promover o estudo e a proteção dos ecossistemas, pelos esforços destinados a desenvolver uma agricultura mais sustentável e uma alimentação mais responsável, pelas diversas iniciativas educacionais, espirituais e litúrgicas que envolvem muitos cristãos em todo o mundo no cuidado da criação.

Devemos reconhecê-lo: não soubemos proteger a criação com responsabilidade. A situação ambiental, quer a nível global, quer em muitos lugares específicos, não pode ser considerada satisfatória. Com razão, surgiu a necessidade de uma relação renovada e saudável entre a humanidade e a criação, a convicção de que apenas uma visão do homem autêntica e integral nos permitirá cuidar melhor do nosso planeta para o benefício das gerações presentes e futuras, pois «não há ecologia sem uma adequada antropologia» (Carta Enc. Laudato si’, 118).

Neste Dia Mundial de Oração pelo cuidado da criação, que a Igreja Católica há alguns anos celebra em união com os irmãos e irmãs ortodoxos, e com o apoio de outras Igrejas e Comunidades cristãs, gostaria de chamar a atenção para a questão da água, elemento tão simples e precioso, cujo acesso infelizmente é difícil para muitos, se não impossível. No entanto, «o acesso à água potável e segura é um direito humano essencial, fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das pessoas e, portanto, é condição para o exercício dos outros direitos humanos. Este mundo tem uma grave dívida social para com os pobres que não têm acesso à água potável, porque isto é negar-lhes o direito à vida radicado na sua dignidade inalienável» (ibid., 30).

Great Barrier Reef With Sea Life

A água nos convida a refletir sobre as nossas origens. A maior parte do corpo é composta de água; e muitas civilizações, na história, surgiram nas proximidades de grandes cursos de água que marcaram sua identidade. É sugestiva a imagem utilizada no início do Génesis, em que se diz que nas origens o espírito do Criador «pairava sobre as águas» (1,2).

Pensando em seu papel fundamental na criação e no desenvolvimento humano, sinto a necessidade de dar graças a Deus pela «irmã água», simples e útil sem nada de parecido para a vida no planeta. Precisamente por esse motivo, cuidar de fontes e bacias hídricas é um imperativo urgente. Hoje, mais do que nunca, é necessário um olhar que  ultrapasse o imediato (cf. Carta Enc. Laudato si’, 36), além de «critério utilitarista de eficiência e produtividade para lucro individual» (ibid., 159). Precisa-se urgentemente de projetos conjuntos e de ações concretas, tendo em conta que é inaceitável qualquer privatização do bem natural da água que seja contrária ao direito humano de poder ter acesso a ela.

Para nós cristãos, a água é um elemento essencial de purificação e de vida. O pensamento vai imediatamente para o Batismo, sacramento do nosso renascimento. A água santificada pelo Espírito é a matéria pela qual Deus nos vivificou e nos renovou; é a fonte abençoada de uma vida que não morre mais. O Batismo representa também, para os cristãos de diferentes confissões, o ponto de partida real e indispensável para viver uma fraternidade cada vez mais autêntica no caminho da plena unidade. Jesus, durante a sua missão, prometeu uma água capaz de saciar para sempre a sede do homem (cf. Jo 4,14), e profetizou: «Se alguém tem sede, venha a mim e beba» (Jo 7,37). Ir a Jesus, beber d’Ele significa encontrá-Lo pessoalmente como Senhor, haurindo da sua Palavra o sentido da vida. Que possam ressoar em nós com força as palavras que Ele pronunciou na cruz: «Tenho sede» (Jo 19, 28). O Senhor continua a pedir para ser saciado na sua sede, pois tem sede de amor. Ele nos pede para dar-Lhe de beber nos muitos sedentos de hoje, para então nos dizer: «Eu estava com sede e me destes de beber» (Mt 25,35). Dar de beber, na aldeia global, não envolve apenas gestos pessoais de caridade, mas escolhas concretas e compromisso constante de garantir a todos o bem primário da água.

Gostaria também de tocar na questão dos mares e dos oceanos. Devemos agradecer ao Criador pelo dom imponente e maravilhoso das grandes águas e de quanto elas contêm (cf. Gen 1,20-21; Sl 146,6), e louvá-Lo por ter coberto a terra com os oceanos (cf. Sl104,6). Orientar os nossos pensamentos para as imensas extensões marinhas, em constante movimento, representa também, em certo sentido, uma oportunidade para pensar em Deus, que acompanha constantemente a sua criação, fazendo com que siga adiante, mantendo-a na existência (cf. S. João Paulo II, Catequese, 7 de Maio de 1986).

Proteger esse bem inestimável todos os dias representa hoje uma responsabilidade imperiosa, um desafio real: é necessária uma cooperação eficaz entre os homens de boa vontade para colaborar na obra contínua do Criador. Infelizmente, muitos esforços desaparecem devido à falta de regulamentação e de controles efetivos, especialmente no que diz respeito à proteção das áreas marinhas para além das fronteiras nacionais (cf. Carta Enc. Laudato si’, 174). Não podemos permitir que os mares e oceanos se preencham com extensões inertes de plástico flutuante. Também para essa emergência somos chamados a nos comprometer, com uma mentalidade ativa, rezando como se tudo dependesse da Providência divina e agindo como se tudo dependesse de nós.

Rezemos para que as águas não sejam um sinal de separação entre os povos, mas de encontro para a comunidade humana. Rezemos para que sejam protegidas aquelas pessoas que arriscam suas vidas nas ondas do oceano em busca de um futuro melhor.

Peçamos ao Senhor e àqueles que realizam o alto serviço da política para que as questões mais delicadas da nossa época, tais como as relacionadas com a migração, com a mudança climática, com o direito para todos de usufruírem dos bens primários, sejam encaradas com responsabilidade, com previsão olhando para o amanhã, com generosidade e com espírito de cooperação, especialmente entre os países que têm maior disponibilidade.

Rezemos por aqueles que se dedicam ao apostolado do mar, por aqueles que ajudam a refletir sobre os problemas com que se debatem os ecossistemas marítimos, por aqueles que contribuem para o desenvolvimento e a aplicação de regulamentos internacionais sobre os mares que possam tutelar as pessoas, os Países, os bens, os recursos naturais – penso, por exemplo, na fauna e na flora marinha, bem como nos recifes de coral (cf. ibid., 41) ou nos fundos marinhos – e garantindo um desenvolvimento integral na perspectiva do bem comum de toda a família humana e não de interesses particulares. Lembremos também de quantas pessoas trabalham para a proteção das áreas marítimas, para a tutela dos oceanos e sua biodiversidade, para que possam realizar essa tarefa com responsabilidade e honestidade.

Por fim, preocupemo-nos com as jovens gerações e rezemos por elas, para que cresçam no conhecimento e no respeito pela casa comum e no desejo de cuidar do bem essencial da água para o benefício de todos. O meu desejo é que as comunidades cristãs contribuam cada vez mais concretamente para que todos possam usufruir desse recurso indispensável, no cuidado respeitoso dos dons recebidos do Criador, em particular dos cursos de água, mares e oceanos.

Vaticano, 1 de Setembro de 2018

Francisco

Nota da Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana para o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação 2018

Nota da Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana para o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação 2018

As coisas podem mudar! Sabemos que sim. Não nos podemos resignar à existência «das dramáticas consequências da degradação ambiental na vida dos mais pobres do mundo» (LS, 13) como se elas fossem uma fatalidade.

Não podemos deixar cair os braços. Não podemos desanimar. Muitas são as vertentes que nos exigem uma verdadeira conversão.

O Papa Francisco, quer na sua recente Carta ao Povo de Deus, quer nas suas intervenções do Encontro Mundial das Famílias, na Irlanda, alerta-nos para uma diversidade de situações que requerem intervenção urgente e determinada.

Estamos dispostos a mudar o nosso coração e os nossos hábitos pessoais. Mas «mudar o rumo ou converter-se integralmente não se esgota numa conversão individual», como afirma o Documento preparatório para o Sínodo da Amazónia, a realizar em Outubro de 2019.

«Uma mudança profunda do coração, que se exprime em mudanças de hábitos pessoais, é tão necessária quanto uma mudança estrutural que esteja embutida nos hábitos sociais, nas leis e nos programas económicos convencionados» (n.9).

Queremos empenhar-nos em cultivar a terra de forma a que ela possa dar frutos de paz.  Queremos ser pessoas que cuidem da nossa casa comum de forma criativa e responsável, sempre prontos a corrigir o rumo das nossas decisões quando percebemos que não devemos prosseguir por determinado caminho, dadas as consequências que, entretanto, se conseguiram vislumbrar.

Reconhecemos, com uma grata esperança, que são as novas gerações aquelas que, entre nós, mais se têm empenhado na reflorestação e na limpeza das praias e dos matos e saudamos a inclusão, no currículo escolar, de temas que contribuem para uma educação ecológica.

É com expectativa que esperamos os melhores resultados da COP24, a 24ª Conferência sobre o Clima (ONU) a realizar na Polónia no próximo mês de Dezembro.

A Comissão Episcopal de Pastoral Social e Mobilidade Humana convida todas as comunidades cristãs a dar graças a Deus pela Criação e a pedir ao Criador a conversão dos nossos corações e a dos corações daqueles de quem dependem as leis e os programas económicos que permitem uma verdadeira mudança estrutural.

29 de Agosto de 2018

Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana

Mensagem para a Semana das Migrações 2018

Mensagem para a Semana das Migrações 2018

Inspirando-se na Mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial do Migrante e Refugiado, ocorrido este ano de 2018 a 14 de janeiro, a Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana (CEPSMH) escolheu como lema para a semana das migrações: Cada forasteiro é ocasião de encontro, Migrantes e Refugiados no caminho para Cristo. O ser humano realiza-se e é feliz no amor, para o qual foi criado, que apenas surge quando a pessoa se encontra com outra e nela descobre também a mesma dignidade e um companheiro no caminho da vida. Jesus Cristo na Sua mensagem evangélica concretiza este acontecimento, afirmando que sempre que fazemos o bem a alguém que precisa é a Ele mesmo que o fazemos e por isso temos parte com Ele na felicidade eterna (cf. Mt 25). Ora o migrante e refugiado encontra-se nessa situação e, por isso, quem se encontra com ele e lhe faz o bem, é ao mesmo Cristo que o faz, a quem os cristãos são chamados a seguir.

Na mensagem o Papa Francisco pede à Igreja e à sociedade civil para desenvolver uma ação clara em prol dos migrantes, refugiados e vítimas de tráfico humano. Pede também aos Estados membros da ONU, empenhados num Pacto Global, que enfrentem a questão migratória, propondo medidas de acolhimento, de proteção, de promoção e de integração destes irmãos nossos que batem às nossas portas, fugidos à fome, à guerra e à perseguição.

Sendo a mobilidade uma das características das sociedades modernas, é necessário que os países a integrem na sua legislação, de modo que se torne um fenómeno ordenado, legal e seguro e contribua para o bem dessas pessoas e para o seu desenvolvimento social e económico. Por isso a Conferência episcopal publicou uma nota pastoral, pedindo aos nossos governantes e à Igreja para que tenham isto em atenção.

Perante o drama dos refugiados, que fogem à guerra, à fome, à seca e à pobreza, muitos morrendo pelos caminhos perigosos, vítimas de máfias sem escrúpulos, como cristãos e seres humanos não podemos ficar insensíveis a tudo isto.

Não podemos ficar insensíveis a alguns atropelos que acontecem não apenas noutros países, mas também no nosso, muitas vezes vezes empregando pessoas de outras origens e culturas, sem lhes reconhecer os direitos a trabalho humano, remuneração justa, habitação digna, alimentação capaz, segurança social e saúde pública como aos autóctones. Ainda pior quando são vítimas de intermediários sem consciência, que lhes confiscam os documentos, os empregadores pagam os salários através destes, que ficam com parte do salário e ameaçam os seus familiares nos países de proveniência.

Algo semelhante acontece com empresas que recrutam mão de obra em Portugal para trabalharem no estrangeiro, prometendo condições vantajosas que depois não se verificam.

Embora muito se tem feito em Portugal pelo governo e sociedade civil, ainda nos resta um longo caminho a percorrer. Precisamos de rever a nossa legislação sobre as migrações, facilitando o acolhimento, a proteção, a promoção e integração dos migrantes e refugiados no país, fazendo leis justas de reunificação familiar e fiscalizando as empresas que recorrem a mão de obra estrangeira, para que para igual trabalho se pratique uma remuneração igual aos portugueses.

Também nas comunidades eclesiais há muito a fazer, prestando atenção aos estrangeiros que vivem na área das nossas paróquias, através de voluntários devidamente preparados, informando-se sobre as suas condições familiares, laborais, sociais e de culto, promovendo cursos de língua portuguesa para os que ainda sentem dificuldades de relacionamento com a nossa sociedade e, caso tenham alguma religião, ajudando-os a encontrar os ministros da sua fé. Se forem católicos, procurar nas paróquias a sua integração e, se necessário, buscar na diocese ou na Igreja em Portugal a assistência necessária, para que possam exprimir na sua língua materna a sua alma religiosa, sobretudo por ocasião das grandes festas.

É um longo e complexo processo, já em curso em Portugal, mas será o único capaz de fazer do fenómeno da mobilidade um fator de enriquecimento harmónico do mundo global em que vivemos, tornando os nossos ambientes, marcados pela mobilidade, mais pacíficos, dialogantes e integradores.

† António Vitalino, carmelita, bispo emérito de Beja e membro da CEPSMH